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Bolognesi, B., Ribeiro, E., & Codato, A.. (2023). A New Ideological Classification of Brazilian Political Parties. Dados, 66(2), e20210164. Just as democratic politics changes, so does the perception about the parties out of which it is composed. This paper’s main purpose is to provide a new and updated ideological classification of Brazilian political parties. To do so, we applied a survey to political scientists in 2018, asking them to position each party on a left-right continuum and, additionally, to indicate their major goal: to pursue votes, government offices, or policy issues. Our findings indicate a centrifugal force acting upon the party system, pushing most parties to the right. Furthermore, we show a prevalence of patronage and clientelistic parties, which emphasize votes and offices rather than policy. keywords: political parties; political ideology; survey; party models; elections

23 de março de 2013

Arena Política (Bruno P. W. Reis)

[Willys de Castro.
Projeto para pintura] 


verbete Arena política, do Dicionário de Políticas Públicas (São Paulo: Fundap, 2013).

Se a política envolve a tomada de decisões coletivamente impositivas, e portanto incorpora fatalmente disputas públicas em torno dessas decisões, a expressão “arena política” refere-se à delimitação do campo, do ambiente, da cena onde se travam essas disputas. As características da arena política determinarão, em grande parte, a dinâmica da vida política, conforme as instituições decisórias vigentes, a configuração organizacional dos grupos, os valores e/ou prioridades estratégicas dos contendores. Apesar de seu uso frequente em literatura acadêmica, é antes uma expressão corrente do que um conceito univocamente articulado, não obstante algumas tentativas ocasionais de tipificação, nem sempre sistemáticas.

Talvez não seja exagero afirmar que, desde a Antiguidade, praticamente toda tradição de reflexão sobre a política incorpora, explícita ou implicitamente, alguma apropriação conceitual da arena política, posto que se admite corriqueiramente - pelo menos desde a Política de Aristóteles - que a política operará diferentemente conforme seu contexto. No século 19, Marx é referência magistral em sua apreensão sociológica da arena política, tal como se pode depreender do 18 Brumário de Luiz Bonaparte.Contudo, o esforço feito ali por Marx não é de sistematização teórica, mas sim de aplicação de seu materialismo histórico à conjuntura política da França - o que não deixou de ensejar intermináveis controvérsias na feroz disputa política por seu legado ao longo de todo o século seguinte.

No âmbito da ciência política acadêmica que se firma no decorrer do século 20, as primeiras apreensões sistemáticas da noção atual de “arena política” surgem no interior da tradição pluralista de meados do século. No enquadramento clássico do pluralismo como “teoria dos grupos”, a arena política aparece de maneira sobretudo passiva, neutralizada por um jogo de forças sociais que - filtradas pelas regras vigentes - seria resolvido em “sistemas de vetores” que representavam um processamento passivo, pelo sistema político, de pressões residentes na sociedade. A arena política, nesse enquadramento, aparece despida de conteúdo conceitual e papel teórico próprio, como receptora inativa das pressões (vetores) que emergem da sociedade por meio dos grupos de interesse que se chocam entre si sem mediação autônoma explícita do sistema. Com isso, a combinação da força e das orientações de todos esses vetores terminaria por produzir um resultado que representaria a decisão do sistema.

Nas mãos de E.E. Schattschneider (1960), esse enquadramento pluralista ganha substância política. Além da identificação do viés em favor da classe alta, que caracteriza o conflito político em uma sociedade estratificada, a mera incorporação dos atores políticos e de seus propósitos ao quadro analítico já confere autonomia analítica à arena política. Em vez de processador passivo de um sistema exógeno de pressões sociais, o sistema político se converte em produtor autônomo de demandas e prioridades que se somam às pressões oriundas da sociedade e com elas interagem. Duas dimensões do conflito político apresentam-se então como cruciais, e são passíveis de manipulação pelas elites: sua clivagem e sua abrangência.

A abrangência do conflito refere-se à determinação do conjunto de pessoas incorporadas ou não ao processo decisório. Se se expande o sufrágio, por exemplo, a abrangência dos conflitos submetidos a decisão eleitoral se expande; se se determina, em contraste, que as decisões em torno de determinado tipo de matéria serão tomadas no âmbito de um comitê específico, reduz-se a abrangência do conflito em torno da matéria aos limites do comitê. Já a clivagem de um conflito político refere-se, dada determinada abrangência, à identificação do lado, majoritário ou minoritário, ocupado por cada participante do processo decisório. Para cada conflito político, diferentes agendas decisórias poderão produzir diferentes clivagens, fazendo com que diferentes participantes integrem ou não as coalizões majoritárias e, logo, vitoriosas. Na medida em que tanto a abrangência quanto a clivagem dos conflitos políticos são passíveis de manipulação por elites, seu resultado também o é, e portanto o poder reside no controle sobre os parâmetros fundamentais da arena política: quem decide, e sobre o que decide. Dada determinada clivagem, a manipulação da abrangência do conflito inclui ou exclui decisores, e assim pode interferir no resultado do conflito. Igualmente, dada determinada abrangência, a manipulação da agenda política poderá deslocar a clivagem predominante, e assim deslocar a maioria vigente: quem controla a agenda controla a flutuação da relação de forças vigente.

Poucos anos depois, em busca de uma taxonomia das políticas públicas, Theodore Lowi (1964) elaborou a célebre distinção entre políticas distributivas, regulatórias e redistributivas, definidas segundo a abrangência relativa de seus efeitos e beneficiários, bem como a forma e o alcance das disputas existentes entre os interesses envolvidos. Grosso modo, políticas distributivas caracterizar-se-iam por uma quase infinita dispersão dos recursos envolvidos, e não induziriam assim agudos conflitos de interesse quanto a sua forma ou implementação. Tipicamente, envolvem subsídios estatais, canalização dispersa de recursos mediante demandas tópicas ou obras de alcance local. Políticas redistributivas, em contraste, envolveriam as “grandes questões” que produzem clivagens relativamente profundas e estáveis na sociedade e são percebidas pelos atores como portadoras de consequências relevantes para seus interesses. Decisões (ou a falta delas) na arena redistributiva produzem, portanto, ganhadores ou perdedores bastante identificáveis, o que torna essas políticas, por assim dizer, mais rígidas, dadas as cristalizações do status quo propensas a durar anos, ou décadas. As políticas regulatórias, por fim, ocupariam posição intermediária, referindo-se caracteristicamente à ordenação ou à regulação de um setor específico da economia ou da agenda pública.

Embora parecessem à primeira vista desconectadas de considerações sobre a natureza da arena política, essas categorias cedo se mostraram fortemente relacionadas a características da arena. Robert Salisbury (1968) procurou mostrar como os atributos do contexto (a integração/fragmentação tanto do sistema decisório quanto do padrão de demandas) se relacionavam com a adoção de diferentes tipos de políticas. Assim, a percepção nítida de perdas e ganhos relativos pelos atores envolvidos em políticas redistributivas faz com que elas se tornem relativamente rígidas, aumentando o custo das decisões envolvidas, que passam a requerer sistemas decisórios e padrões de demandas relativamente integrados.

No outro extremo, a pulverização quase infinitesimal dos benefícios tipicamente associados às políticas distributivas propiciaria sua adoção em contextos nos quais tanto sistemas decisórios quanto padrões de demandas fossem fragmentados. Para os casos híbridos, políticas regulatórias seriam favorecidas quando sistemas decisórios integrados se deparassem com padrões de demanda fragmentados, e a recíproca propiciaria o que Salisbury chamou de políticas autorregulatórias, observadas quando os grupos interessados capturam para si a administração da política (como nos casos dos conselhos profissionais de categorias como médicos e advogados, encarregados de regular o exercício da respectiva profissão).

A expansão subsequente da literatura relacionada à abordagem da escolha racional pode sugerir que atributos do contexto tenham perdido relevância no período mais recente, mas não é exatamente o caso. Precisamente por adotar uma premissa formal universalizante na atribuição de idêntica racionalidade a todos os atores, a escolha racional termina por apoiar fortemente o conteúdo de seus modelos em dois conjuntos de informações exógenas: as preferências de cada um (sempre tomadas como dadas) e os perfis de estratégias deixados abertos a cada ator por seu contexto, tipicamente (embora não necessariamente) por atributos institucionais da arena política. Sintoma eloquente disso reside em Fritz Scharpf (1997): em um extenso livro dedicado precisamente a oferecer um arcabouço analítico para a pesquisa sobre políticas apoiado na teoria dos jogos, Scharpf dedica dois terços do volume à tipificação da dinâmica de variados “modos de interação” entre constelações de atores. Esses modos de interação, fatalmente descritos em termos estruturais e procedimentais, configuram o contexto (arena) em que se desenrola a interação entre os atores estrategicamente orientados que integram os jogos descritos.

Por muito tempo presumida de modo coincidente com fronteiras políticas formais (sobretudo no âmbito nacional), a estipulação recente das fronteiras analiticamente relevantes da arena política tem-se mostrado crescentemente problemática. Com o avanço da interdependência política e econômica entre as nações (usualmente referida como “globalização”), autores como Philip Cerny (2000) têm advogado uma expansão da abrangência analítica usual de nossa definição da arena política. Contudo, é digno de nota que a relevância das categorias centrais da abordagem esboçada por Schattschneider, com toda sua singeleza abstrata, passa incólume por essa ressalva, já que a abrangência do conflito não guarda relação necessária com a delimitação geográfica: mesmo que limites geográficos se expandam, pode-se restringir a abrangência de um conflito ao subtraírem-se prerrogativas de eleitorados nacionais em favor de burocratizadas instâncias multilaterais.

Referências:

CERNY, P. G. Restructuring the political arena: globalization and the paradoxes of the competition state. In: Germain, Randall D. (Org.) Globalization and its critics: perspectives from political economy. London: Macmillan, 2000. p.117- 38.

LOWI, T. J. American business, public policy, case-studies, and political theory. World Politics, Princenton, NJ, v. 16, p. 677-715, 1964.

SALISBURY, R. H. The analysis of public policy: the search for theories and roles. In: Ranney, Austin (Org.). Political science and public Policy. Chicago: Markham, 1968. p. 151-75.

SCHARPF, F. W. Games real actors play: actor-centered institutionalism in policy research. Boulder, CO: Westview Press, 1997.

SCHATTSCHNEIDER, E. E. The Semisovereign people. New York: Harcourt-Brace, 1960.

http://dicionario.fundap.sp.gov.br/Verbete/18


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