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Bolognesi, B., Ribeiro, E., & Codato, A.. (2023). A New Ideological Classification of Brazilian Political Parties. Dados, 66(2), e20210164. Just as democratic politics changes, so does the perception about the parties out of which it is composed. This paper’s main purpose is to provide a new and updated ideological classification of Brazilian political parties. To do so, we applied a survey to political scientists in 2018, asking them to position each party on a left-right continuum and, additionally, to indicate their major goal: to pursue votes, government offices, or policy issues. Our findings indicate a centrifugal force acting upon the party system, pushing most parties to the right. Furthermore, we show a prevalence of patronage and clientelistic parties, which emphasize votes and offices rather than policy. keywords: political parties; political ideology; survey; party models; elections

11 de outubro de 2010

o véu dos muçulmanos e a república dos franceses

[Plano Branco n° 2, 1995
Manuel da Costa. 
Pirelli/MASP] 


Véu, liberdade e República
Gazeta do Povo, 7 out. 2010

Gustavo Lacerda

A questão “quais as liberdades mais básicas?” tem várias respostas, duas das quais seriam: 1) isso não faz sentido, pois 2) não há liberdades “mais básicas”. Discordamos dessas respostas: há, sim, liberdades mais básicas, que constituem os fundamentos de todas as outras. Quais seriam elas? Liberdades de pensamento, de expressão, de associação e de ir e vir. Não que outras liberdades não sejam importantes, mas essas quatro, que garantem aos indivíduos e aos grupos as condições mínimas para terem e exercerem a autonomia decisória, permitem que todas as demais sejam discutidas e estabelecidas, além de terem valor em si mesmas como valores políticos e sociais.

Pois bem: há algumas semanas aprovou-se na Fran­­ça uma lei que veda aos muçulmanos, em especial às muçulmanas, o uso de véus, burcas e adereços que cubram parcial ou totalmente seus rostos e que se­­jam a manifestação de suas crenças religiosas. O ar­­gu­­mento oficial apresentado é que tais adereços consis­­tem em instrumentos, implícitos ou explícitos, da do­­minação social e masculina sobre as mulheres, subjugando-as e relegando-as a uma posição social não in­­ferior, mas secundária; em outras palavras, tais adereços seriam instrumentos e símbolos da degradação das muçulmanas como cidadãs e como seres humanos.

Essa justificativa merece, sem dúvida, a mais profunda reflexão, pois enfatiza aspectos centrais para o projeto republicano perfilhado pelo Ocidente des­­de há pelo menos 200 anos, começando pela própria França: respeito universal aos seres humanos, capacidade de manifestação individual e coletiva, integração à vida coletiva de todos como cidadãos.

Todavia, essa mesma justificativa resulta na negação da autonomia individual para escolher as crenças; em nome do respeito ao pluralismo religioso, ataca-se os fundamentos desse pluralismo. É uma situação contraditória, cuja solução passa necessariamente pelo reafirmar do respeito ao pluralismo, ou melhor, do insistir em que as liberdades de pensamento e de expressão de fato são fundamentais e como tais devem ser tratadas.

No caso específico das muçulmanas francesas, é evidente que seu status social e político não pode ser o mesmo que o de muçulmanas de outros países: o uso dos adereços deve corresponder à manifestação externa de valores e escolhas íntimas, isto é, pessoais; dessa forma, elas são antes cidadãs (francesas) e depois, ou como que “por acaso”, muçulmanas e não o contrário (ou seja, antes muçulmanas e depois, “por acaso”, francesas). Dessa forma, respeitam-se os valores pessoais das muçulmanas (e, de modo geral, dos muçulmanos) tanto quanto respeitam-se os valores pessoais e as manifestações exteriores das crenças de judeus, cristãos, ateus, agnósticos, budistas etc. – além de reafirmar-se o republicanismo francês, que de maneira correta estipula o universalismo jurídico no lugar do comunitarismo.

Voltemos à justificativa oficial: o repúdio à expressão pública do que seria a submissão e a degradação das mulheres muçulmanas dirige-se, como se percebe com facilidade, a apenas um único grupo. Assim, embora o argumento em si seja moral e politicamente digno de consideração, ele é particularista e dirigido contra uma fé específica. Dessa forma, ele consiste mais em uma renovada expressão de islamofobia que na defesa do republicanismo. O argumento tem um inequívoco caráter ad hoc, elaborado de maneira casuística, para dar um lustro intelectual a uma forma de intolerância.

Para concluir: o que isso tem a ver com o Brasil? Ora, tudo. Não apenas porque os laços políticos, so­­ciais e econômicos entre Brasil, de um lado, e França e países islâmicos, de outro lado, têm crescido, como porque os valores políticos e sociais brasileiros são muito próximos dos da França – de modo que o problema criado e enfrentado pela França refere-se também a dilemas brasileiros.
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