artigo recomendado

Bolognesi, B., Ribeiro, E., & Codato, A.. (2023). A New Ideological Classification of Brazilian Political Parties. Dados, 66(2), e20210164. Just as democratic politics changes, so does the perception about the parties out of which it is composed. This paper’s main purpose is to provide a new and updated ideological classification of Brazilian political parties. To do so, we applied a survey to political scientists in 2018, asking them to position each party on a left-right continuum and, additionally, to indicate their major goal: to pursue votes, government offices, or policy issues. Our findings indicate a centrifugal force acting upon the party system, pushing most parties to the right. Furthermore, we show a prevalence of patronage and clientelistic parties, which emphasize votes and offices rather than policy. keywords: political parties; political ideology; survey; party models; elections

31 de janeiro de 2010

a república e o uso dos simbolos religiosos

[Delhi, India. 1946
Margaret Bourke-White
Life]

Entrevista da psicanalista Elisabeth Roudinesco à Folha de S. Paulo (31 jan. 2010) sobre o uso do véu fechado pelas mulheres na França. 

FOLHA - Quando se fala da proibição ao véu fechado, trata-se de uma questão de direitos da mulher, de identidade francesa ou simplesmente de racismo?
ELISABETH ROUDINESCO - Essa não é uma boa pergunta. Racismo não tem nada a ver com a questão. E o debate sobre identidade francesa, proposto pelo governo, não tem a ver com o trabalho da comissão sobre o véu integral.
Tenha o cuidado de separar bem a tomada de posição do governo francês, extremamente reacionário, da comissão parlamentar que se reuniu para debater o assunto. Não se pode misturar tudo.
A identidade francesa não se define. Fala-se então em "identidade nacional", mas a ideia de nação ruiu. Há uma oposição frontal de toda a esquerda francesa contra o debate sobre a identidade nacional. Assinei a petição contra essa iniciativa.
Querem que os cidadãos respondam a um questionário do tipo "você canta a "Marselhesa'?", "você gosta de queijo francês?". É absolutamente ridículo, além de não funcionar. É como fazer um questionário sobre a identidade brasileira e, caso você não goste de dançar samba e nunca tenha nadado em Copacabana, seja considerado um mau brasileiro.
Quase chegamos ao ponto de ter um governo tão ridículo quanto o [do premiê italiano] Berlusconi. A função presidencial deve representar valores intelectuais; é uma instituição.

FOLHA - A sra. ainda não falou em feminismo.
ROUDINESCO - Esses símbolos religiosos são símbolos de uma servidão feminina, mas se trata de uma servidão voluntária. Na França, quem os usa costumam ser mulheres convertidas. A lei não seria suficiente para lutar contra isso.

FOLHA - As conclusões da comissão parlamentar são corretas?
ROUDINESCO - Sou a favor de uma lei que reafirme a proibição de dissimular o rosto em serviços públicos. É uma questão de identificação. Não é preciso portar identidade, passaporte? Pois a foto precisa bater com o rosto de quem porta o documento. Não é necessário exigir isso na rua, mas sim em serviços públicos. Não se trata de proibir esse ou aquele item do vestuário, mas de evitar a dissimulação. É assim em todo o mundo -exceto, talvez, no Carnaval.

FOLHA - Os muçulmanos na Europa são muitas vezes pobres e pouco integrados às sociedades dos países em que vivem. Abolir o véu é uma forma de a maioria (no caso, francesa) praticar a negação do outro?
ROUDINESCO - Isso é ridículo. Falo como republicana, laica e de esquerda. Lembro que a França é um Estado laico, e que a tolerância religiosa é tanto maior quanto menos confessional for o Estado. E não há racismo contra muçulmanos. Não devemos confundir muçulmanos e imigrantes.

FOLHA - Mas os muçulmanos na Europa, imigrantes ou não, frequentemente vivem em guetos. Não corremos o risco de fazer deles os judeus deste século?
ROUDINESCO - De modo nenhum, pois não há guetos na França. E é claro que os muçulmanos não são os judeus deste século.

FOLHA - O Reino Unido e outros países discutem a proibição ao véu. Acredita que se trata de uma tendência no mundo ocidental?
ROUDINESCO - A França é laica, e o Reino Unido é mais "comunitário". Deixou se desenvolverem o véu, o lenço, usados de modo generalizado, incluindo crianças.
Com efeito, eu diria que a Inglaterra cometeu o erro de não ser suficientemente laica, mas comunitarista demais. Isso acabou trazendo problemas, criando guetos. Não tendo lutado suficientemente pela laicidade, a Inglaterra agora se encontra confrontada pela questão do islamismo radical.
E é preciso compreender que só os Estados laicos podem garantir um verdadeiro funcionamento democrático. Não se pode, portanto, deixar os religiosos imporem suas leis. Se o fizerem, será uma perda para a democracia. E só a democracia pode respeitar os cultos.
É claro que, com a ascensão do islamismo radical, há tentativas de desestabilizar os Estados laicos; portanto não se trata de uma tendência do Ocidente -é um problema político.
A vontade de dominação religiosa, em todas as suas formas, é sempre problemática para os Estados democráticos e laicos. Vocês têm esse problema no Brasil, com a ascensão dos evangélicos.
Na Europa, temos um crescimento dos fundamentalismos religiosos de todos os tipos, notadamente o católico. É também um grande problema.

FOLHA - Podemos esperar futuramente, como consequência, novas leis na França e em outros países?
ROUDINESCO - Não, pois, no que concerne à Igreja Católica, é mais do que certo que ela tem de obedecer à Constituição do país. Não temos tantos evangélicos quanto vocês, mas temos o catolicismo.
A Igreja Católica, extremamente reacionária, se opõe ao aborto, à liberdade dos homossexuais, assim como o islamismo radical também se opõe. É contra isso que os Estados laicos devem lutar.
Na França, consegue-se separar a igreja do Estado, mas o perigo fundamentalista existe na Europa, em todos os cantos.
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29 de janeiro de 2010

no prelo: dicionário bourdieu


[Salete Goldfinger.
Pirelli/MASP]

à paraître: Dictionnaire Bourdieu
Dictionnaire Bourdieu
Auteur : Chauviré, Chevalier
Editeur : Ellipses Marketing
Date de parution : avril 2010

Texte de présentation du Dictionnaire (Merci à Stéphane Chevalier)

« Il faut prendre les concepts au sérieux […]. » (Questions de Sociologie, 121)

« Pour un tas de raisons - notamment parce que ceux qui auraient pu y être attentifs, comme les philosophes, n’ont pas voulu les voir, mais aussi et surtout parce qu’elles étaient occultées par ce qui était perçu comme la dimension politique, critique, voire polémique de mon travail -, les implications théoriques, les fondements anthropologiques - la théorie de la pratique, la philosophie de l’action, etc. - de mes recherches sont passées presque complètement inaperçues en France » (R, 134). Sans doute doit-on relativiser quelque peu la validité de ce jugement désabusé de Bourdieu à l’égard de la réception française de son œuvre théorique en rappelant qu’il est daté du séminaire de Chicago de l’hiver 1987. Durant la dernière décennie de sa vie, qui fut aussi la dernière de son siècle, l’auteur du Sens pratique a en effet activement œuvré à la reconnaissance de l’intérêt, pour la connaissance anthropologique, de l’idée de l’homme et de l’action humaine qui se dégageait de son travail sociologique. L’écho rencontré par des textes à dimension plus ouvertement théorique comme Réponses. Pour une anthropologie réflexive, Raisons pratiques. Sur la théorie de l’action ou Méditations pascaliennes a permis que la discussion de la philosophie de Bourdieu ne soit plus seulement l’apanage de quelques grands esprits étrangers (Habermas, Taylor, Searle, etc.). Il reste qu’il n’est pas illégitime d’estimer que le compte n’y est toujours pas et que la réception de la pensée de Bourdieu demeure encore, à bien des égards, à venir.

Une telle affirmation peut sembler paradoxale pour qui a à l’esprit la place considérable occupée par Bourdieu dans la vie scientifique et intellectuelle depuis un demi-siècle. L’auteur du Sens pratique a non seulement profondément marqué les sciences sociales, transformant les pratiques de recherche (il suffit de songer, pour ne prendre que deux exemples particulièrement marquants, à la très large adoption des principes de « construction d’objet » ou d’« objectivation du sujet objectivant ») et suscitant un nombre impressionnant de recherches empiriques dans les domaines les plus variés, mais le paradigme qu’il a proposé, à partir des concepts d’habitus, de champ, de capital ou encore de stratégie, a rencontré un immense retentissement dans l’ensemble des champs de production culturelle. Pourtant, un moment dominante, en dépit, mais aussi en raison, des polémiques qui ont souvent contribué à en occulter l’intérêt réel et les intentions profondes, la pensée du sociologue a fini par être considérée à tort comme acquise. Avec le temps, son assimilation, sincère ou polémique, à une vulgate sommaire menace même de la faire définitivement disparaître derrière l’interprétation simpliste ou erronée de quelques concepts et de quelques titres de livres.

A leur manière, les travaux de sociologie qui se réclament de Bourdieu ne sont pas épargnés par ce danger qui consiste, dans leurs cas, à transformer le corpus conceptuel du fondateur en un dispositif théorique dogmatique, purement académique, appliqué de manière routinière à tous les champs de la recherche et de la production de connaissance sur le monde social. Si le paradigme ne cesse, aujourd’hui encore, d’activer de nombreuses recherches, la qualité de ces dernières exige qu’elles ne se contentent pas de faire un usage mécanique de son opus operatum, mais qu’elles s’efforcent d’en ressaisir le modus operandi. Pour ce faire, il convient de ne pas se contenter d’une appréhension superficielle et fétichiste des principaux concepts que Bourdieu nous a légués, il faut s’efforcer de redonner vie à son activité conceptuelle, ou, pour le dire autrement, à sa pratique philosophique. L’auteur du Sens pratique ne réclame, en effet, pas seulement à être lu comme le sociologue considérable qu’il a été, mais comme un grand philosophe, l’un n’allant en réalité pas sans l’autre. Car, s’il entretenait une relation complexe avec la philosophie, s’il souhaitait que celle-ci, en tant qu’investigation conceptuelle, s’efface dans son œuvre, ce n’était certainement pas pour en consacrer la disparition, mais parce qu’elle devait n’être présente qu’à l’état pratique, à travers la construction de modes de pensée directement opérant dans le travail sociologique.

Gestes théoriques précis, opérés dans un contexte théorique précis, pour répondre à des problèmes théoriques et empiriques précis, les concepts de la théorie de la pratique doivent, pour être réellement entendus et maîtrisés, être resitués en relation avec les mouvements de pensée en fonction desquels ils ont été construits. Le Dictionnaire Bourdieu ne peut évidement être qu’un modeste jalon de cette vaste entreprise d’éclaircissement conceptuel. Il ne revendique comme ambition, au regard du format qui est le sien, mais surtout de l’envergure de l’œuvre de Bourdieu, que de préparer le terrain, d’indiquer des directions essentielles à qui cherche à l’arpenter, c’est-à-dire à en comprendre la structure et à en mesurer l’ampleur. Privilégiant l’explicitation des intentions théoriques ayant conduit à l’invention de concepts (habitus, champ, illusio, etc.) ou au renouvellement de notions classiques issues de la tradition philosophique (le corps, la domination, le temps, etc.), il se veut, en effet, une voie d’accès privilégiée à la lecture éclairée de la sociologie de Bourdieu et à la découverte de la dimension majeure de la philosophie qu’elle engage.

Au premier abord, un tel projet semble se heurter frontalement à toutes les mises en garde du sociologue contre les dangers d’une approche scolastique - c’est-à-dire, en l’espèce, à la fois théorétique et scolaire - des concepts, la plus célèbre de ces mises en garde étant sans doute celle qui accompagnait la caractérisation de l’habitus dans Le Sens pratique : « Il faudrait pouvoir éviter complètement de parler des concepts pour eux-mêmes, et de s’exposer ainsi à être à la fois schématique et formel » (SP, 89, note 2). En prenant le parti de considérer les concepts de Bourdieu en eux-mêmes et pour eux-mêmes, il est certain que nous nous exposons, d’une part, à trahir la richesse d’une pensée qui se voulait à la fois systémique, ses principales notions ne se définissant qu’à l’intérieur du système qu’elles constituent, et plastique, ses mêmes notions étant suffisamment évolutives pour prétendre s’adapter à l’investigation empirique ; d’autre part, à transformer des instruments de pensée construits pour et par la recherche en objets formels taillés pour la glose, pour le commentaire académique ou même mondain.

Bourdieu n’a eu de cesse de rappeler que la posture de lecteur, comme celle d’exégète, instaure un rapport abstrait et décontextualisé au concept, dont elle encourage la réification et la fossilisation. Moins encore qu’une autre, sa pensée n’est conçue pour être disséquée en laboratoire ou exposée dans un musée. Contre la perspective de tels enfermements, le sociologue mettait en avant le caractère instrumental, perfectible et ouvert des concepts qu’il construisait. Il aimait, pour illustrer cette conception, reprendre la métaphore de Wittgenstein et affirmer qu’il s’efforçait de constituer une « boîte à outils théorique ». De même que c’est à l’usage, en pratique, que l’on découvre la qualité d’un outil, c’est à l’usage, en pratique, que l’on découvre la qualité d’un concept : « Il faut prendre les concepts au sérieux, les contrôler, et surtout les faire travailler sous contrôle, sous surveillance, dans la recherche. C’est ainsi qu’ils s’améliorent peu à peu, non par le contrôle logique qui les fossilise. » (QS, 121). Pour Bourdieu, les concepts ne sont donc pris au sérieux qu’en tant qu’ils participent d’une théorie appliquée, qu’ils sont inséparables d’activité scientifique d’expérimentation et d’observation qui permet d’en évaluer effectivement les effets d’intelligibilité.

Le lecteur du Dictionnaire Bourdieu doit donc être averti des limites inhérentes à l’exposé théorique de concepts savants créés pour être mis au travail dans la pratique scientifique. Il n’en reste pas moins qu’il ne peut manquer d’y avoir du sens à parler des concepts en eux-mêmes, comme l’a d’ailleurs fait longuement Bourdieu lui-même dans les nombreux textes sur lesquels s’appuie, en prenant le parti de les citer abondamment, la rédaction de ce dictionnaire. En premier lieu parce que la réalité de la recherche scientifique l’exige, dans la mesure où, même si le contrôle de la dimension opératoire et fonctionnelle du concept échoit, en définitive, au travail d’expérimentation du chercheur, ce dernier ne peut compter sur cette pratique elle-même pour s’auto-interpréter et se transmettre ; ou, pour le dire autrement, parce qu’il faut bien établir la connaissance des outils et en enseigner le mode d’emploi avant de pouvoir en évaluer l’usage. En second, parce la science de l’homme que pratiquait Bourdieu a débouché sur des prises de positions philosophiques dont il est essentiel de donner à voir « les implications théoriques et les fondements anthropologiques ». A l’exemple de la notion d’habitus, la plupart des notions fondamentales de la pensée de Bourdieu présentées dans ce dictionnaire dérivent de ou sont en dialogue avec la tradition philosophique. En cherchant à construire une sociologie et une anthropologie capable de dépasser à la fois le structuralisme et la phénoménologie, Bourdieu a abordé et traité, avec une originalité qui n’est pas étrangère à son effort pour s’abstraire du « point de vue scolastique », la plupart des questions classiques de philosophie générale. Et, en définitive, les effets d’intelligibilité produits par le dense réseau de concepts qu’il a progressivement élaboré ont non seulement représenté des effets de rupture et de dépassement de problématiques antérieures, mais ont contribué à forger une philosophie qui, même si elle est présentée par son auteur comme une philosophie négative, ne peut manquer d’avoir sa propre identité conceptuelle. En dépit de sa défiance à l’égard du théoricisme, Bourdieu savait que le travail du concept appelle de lui-même un travail sur le concept et que celui-ci comporte son propre effet d’intelligibilité. De ce point de vue aussi, il est important de prendre les concepts au sérieux.
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20 de janeiro de 2010

Os enigmas do Legislativo



[Série Saídas, Saída IV,
Beco Maria Antônia, 2003.
Ricardo van Steen
Pirelli/MASP]

Adriano Codato
Gazeta do Povo, 20 jan. 2010


A discussão política no Brasil, em especial quando trata dos legislativos, tem se fixado num único (e importante) problema: a corrupção. Se nós não quisermos permanecer prisioneiros desse assunto, e das soluções que não solucionam nada, já que ao apostar em saídas milagrosas, mágicas ou simplesmente mistificadoras só contornam o problema, um primeiro passo é saber como as coisas funcionam.

Uma forma de entender o comportamento político dos parlamentares é através do modelo distributivista. Conforme essa visão, a ação dos políticos de carreira seria sempre clientelista, guiada pela lógica “meramente” eleitoral.

Se o objetivo essencial de um político é reeleger-se, então suas preferências, atitudes e comportamentos só serão inteligíveis a partir desse único objetivo. Para atingi-lo, o parlamentar deve apoiar decisões do governo e lutar para trazer recursos que favoreçam sua base eleitoral. O foco principal da disputa política é o Orçamento. O trabalho legislativo consiste, assim, em pendurar o máximo possível de emendas “clientelistas” na peça orçamentária.

Esse tipo de explicação supõe que a unidade de análise sejam os interesses egoístas dos parlamentares, que os eleitores sejam bastante pragmáticos na hora de decidir em quem votar, e que os partidos fiquem sempre em segundo plano.

As implicações desse modo de ver as coisas estão claras. O legislativo seria a fonte de políticas de tipo distributivo, a “conexão eleitoral” seria o fator determinante na elaboração de políticas de governo, e, considerando a separação do trabalho entre Parlamento e Presidência, a tomada de decisões políticas estaria convenientemente dividida e equilibrada.

A conexão eleitoral só funcionará, todavia, se o parlamentar mantiver-se sempre em evidência, falando em nome das bases e cultivando uma relação estreita com elas; se tomar posições claras em assuntos polêmicos, mas sempre de acordo com as opiniões do “seu” eleitorado. Assim resumido, esse modelo parece explicar melhor o Congresso norte-americano que o brasileiro.

No entanto, alguns analistas têm apresentado quatro argumentos a favor da validade desse tipo de explicação para compreender o comportamento dos congressistas do Brasil.

O sistema eleitoral (proporcional de lista aberta), porque incentiva a personalização do voto, favorece um comportamento muito individualista dos parlamentares. Além disso, examinando-se o padrão de votos nos candidatos, o que se vê é a criação de pequenos distritos informais. O candidato vitorioso tende a ter uma votação concentrada em determinados municípios. Ele domina o colégio eleitoral. Uma vez no Parlamento, o deputado pode seguir cultivando sua clientela, pois as emendas individuais ao Orçamento permitem o sucesso quase indefinido dessa estratégia. Para completar, as relações Executivo-Legislativo legitimam e ampliam essa prática, já que os deputados podem trocar apoio ao governo pela execução das suas propostas.

Por outro lado, quando se analisam empiricamente os dados disponíveis, as coisas não são tão certas assim. É o que estipula o “modelo partidário”. Primeiro: as taxas de reeleição não são particularmente altas. Pouco mais de 50% voltam à Câmara a cada legislatura. Examinando-se a geografia eleitoral, o que se constata é que metade dos deputados que tentam uma cadeira no parlamento federal não tem uma votação distritalizada. E é difícil determinar, num pleito, quantos votos são pessoais, quantos votos são partidários, em função do sistema de coeficiente eleitoral.

Segundo: a Constituição deu muito poder ao Executivo em matéria orçamentária. Estima-se que o peso das emendas individuais ao Orçamento que são efetivamente executadas seja muito baixo, em torno de 20%. Também não se encontrou ainda dados suficientes que corroborem a correlação entre a taxa de apoio ao Executivo e a execução de emendas, embora se possa supor que ela não deve ser desprezível.

Terceiro: o comportamento dos parlamentares parece determinado mais pela organização interna da Câmara dos Deputados do que por qualquer outra coisa. O expediente de votações simbólicas comandadas pelos líderes dos partidos, o poder dos caciques para indicar quem pode fazer parte das comissões, tudo impede que o parlamentar avulso tenha algum poder de fato.

Por último, o objetivo dos parlamentares brasileiros dificilmente é reeleger-se, mas eleger-se para algum cargo executivo, uma vez que o gasto efetivo capaz de agradar eleitores é decidido nesse âmbito.

Como a Ciência Política não dispõe ainda de um único modelo que permita dizer como o parlamento nacional funciona a fim de prever as estratégias e as ações dos legisladores, é muito difícil propor (e pôr em prática) instrumentos de fiscalização e controle sobre os políticos. Mas nem por isso devemos desistir de estudá-los e de comandá-los.

Adriano Codato é professor de Ciência Política na Universidade Federal do Paraná (UFPR).
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Haiti, que ajuda?


[Série Fragmentos das Cidades,
Havana, 2005.
Salete Goldfinger.
Pirelli/MASP]

[Essa é, de longe, a análise mais lúcida e informada até aqui sobre a "catástrofe" do Haiti, país que a TV descobriu e que agora noveliza]

Folha de S. Paulo, 18 jan. 2010.
   
OMAR RIBEIRO THOMAZ
OTÁVIO CALEGARI JORGE

O terremoto no Haiti, que afetou de forma particularmente arrasadora sua capital, foi há cerca de uma semana. O pouco de um Estado já frágil foi destruído, a missão das Nações Unidas foi incapaz de ir além de resgatar seus próprios mortos e feridos, a ajuda internacional tarda, e o que vemos são haitianos ajudando haitianos.
Entre quarta-feira e sábado, caminhar pelas ruas do centro de Porto Príncipe e de Pétionville era observar o civismo dos haitianos que, muitas vezes, e como nós, sem entender claramente o que havia acontecido, procuravam cuidar dos feridos, resgatar aqueles que ainda estavam vivos sob os escombros, e dispor de seus mortos. O que vimos foi, de um lado, solidariedade, de outro a ausência quase que total e absoluta das forças da ONU e da ajuda internacional.
Por quê? Afinal, a Minustah não estava no Haiti há cerca de seis anos e não dizia estar agindo no sentido de estabilizar o país e reconstruir o Estado haitiano? Quando nos perguntávamos do porquê da demora de disponibilizar comida e remédios já no aeroporto de Porto Príncipe para as centenas de milhares de pessoas que se aglomeravam nos campos de refugiados improvisados por todos os lados, a resposta era que não existiam canais locais capazes de serem mobilizados para a tarefa.
Homens e mulheres que tinham vindo para ajudar, e as coisas que traziam, se aglomeravam num aeroporto controlado por forças militares americanas, como se de uma operação de guerra se tratasse.
Após seis anos no Haiti, aqueles que diziam que estavam ali para reconstruir o país, não tinham entendido nada, ou muito pouca coisa. Quando fomos às praças e campos de futebol transformados em campos de refugiados, eram as "dame sara", mulheres que controlam as redes comerciais existentes no país, que garantiam o acesso dos haitianos a produtos; eram aquelas que cozinham na rua, "chein jambe", que ofereciam galinha, espaguete, arroz, feijão e verduras aos haitianos e haitianas aglomerados; eram caminhões pertencentes a empresários locais que distribuíam água potável. Haitianos ajudando haitianos.
Por que não aproveitar esta energia e estas redes existentes para fazer chegar a ajuda? Por desconhecimento, talvez, ou talvez por duvidar de sua eficácia, ou da possibilidade de uma vítima ser mais do que uma vítima passiva à espera de ajuda.
O desconhecimento, no entanto, é duvidável. Em nossa visita ao batalhão brasileiro da Minustah, horas antes do terremoto, pudemos ver na apresentação do coronel João Bernardes um extremo conhecimento do funcionamento da sociedade haitiana. Infelizmente, a falta de ajuda parece estar mais ligada às disputas internacionais pelo controle do futuro do povo haitiano do que à emergência da situação.
Sim, os haitianos são vítimas, mas estão longe da passividade: pra cima e pra baixo, entre as "dame sara" e o "chein jambe", vimos jovens escoteiros removendo entulho, jovens pedido ajuda com alto-falantes, médicos haitianos dando atendimento aos feridos nas ruas, freira haitianas prestando os primeiros socorros quando possível. Paralelamente, o aparato da Minustah, cerca de 5.500 militares de diferentes nacionalidades, ou estava parado, ou mobilizado na atenção dos próprios quadros da ONU.
Os haitianos ajudam haitianos, a ONU ajuda a ONU.
Duas reações foram recorrentes nos dias que se seguiram aos terremotos. Uma, talvez a mais primária, era a de responsabilizar a natureza. A outra, a de responsabilizar os próprios haitianos pelo caos que sucedeu ao cataclismo. Afinal, foram incapazes de construir um Estado e, por isso, são incapazes de reagir.
Ambas as reações são perversas. Não estamos só diante de um cataclismo natural, mas também de uma catástrofe social. E o desmantelamento do Estado haitiano não é responsabilidade exclusiva dos haitianos, muito pelo contrário. País com pouca margem de manobra no contexto caribenho ao longo das décadas de Guerra Fria, viu as grandes potências apoiarem uma ditadura regressiva e particularmente violenta; concomitantemente, e especialmente a partir do fim dos anos 1970 e ao longo dos anos 1980, o Haiti, como tantos outros países, foi vítima de profissionais engravatados que aplicavam a mesma receita em qualquer lugar: desregulamentação, estado mínimo, livre comércio.
Foram as pressões do FMI e do Banco Mundial que obrigaram o Haiti a desproteger a produção de arroz no início dos anos 1980. O Haiti era, até então, autossuficiente em arroz.
Em pouco tempo não só se viu obrigado a importar este produto, como massas de camponeses foram expulsas do campo para a capital do país, aglomerando-se em habitações precárias, as mesmas que foram abaixo com o terremoto. Tal como ocorreu com o arroz, o cimento também foi afetado. Antes era produzido no país, e desde finais de 1980 foi importado dos EUA, o que obrigou os haitianos a fazerem uso de tijolos pobremente produzidos com areia. Tais tijolos são frágeis e acabam afetando a própria condição das construções. E podemos seguir adiante para demonstrar que o desmantelamento do Estado haitiano foi obra da "comunidade internacional".
Somente uma crítica sistemática ao próprio caráter da ajuda internacional nas últimas décadas poderá ajudar o Haiti a sair de um atoleiro que não foi construído apenas por ele. O que pudemos observar, além da passividade da própria comunidade internacional, capaz de mobilizar mundos e fundos, mas incapaz de conversar com as "dame sara" para imaginar uma saída criativa para a distribuição da ajuda, foi um movimento mais do que preocupante.
Milhares de soldados americanos ocupam, mais uma vez, o país, como se houvesse uma situação de guerra civil, e o Brasil, já imerso há seis anos em toda essa lama, entra no circo das potências que querem "ajudar" o Haiti.
Sem termos presente o fato de que o Haiti é um país soberano, e que os haitianos não são vítimas passivas de catástrofes naturais, dificilmente sairemos do circulo de pobreza e miséria criada pela própria "comunidade internacional", no qual o Brasil ocupa um trágico lugar central.

OMAR RIBEIRO THOMAZ, 44, é professor de antropologia da Unicamp;
OTÁVIO CALEGARI JORGE, 21, é estudante de ciências sociais na mesma universidade.
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18 de janeiro de 2010

A política no Haiti


[Série Prestes Maia, 2006.
São Paulo. Júlio Bittencourt.
coleção Pirelli/MASP]

Folha de S. Paulo, 17 jan. 2010

Entrevista de Robert Fatton, Jr.
CV aqui

ele é o autor de Haiti's Predatory Republic: The Unending Transition to Democrac. Boulder, Co.: Lynne Rienner Publishers, Inc., 2002.
resenha do livro aqui

FOLHA - Como avalia a situação do Haiti antes do terremoto e o que pode mudar agora?
ROBERT FATTON JR. - A situação política havia se estabilizado, a violência havia diminuído, mas a situação como um todo ainda era muito precária. Eleições estavam programadas para este ano [legislativas em fevereiro e presidencial em novembro], mas não imagino que possam ser realizadas. O terremoto pode ser um desastre completo ou uma oportunidade para mudar algo. O fato de que todos os haitianos estão diante da catástrofe pode levar a um contrato social diferente, numa sociedade muito dividida. Do seu lado, a comunidade internacional precisa mudar algumas políticas, que em última instância limitaram a capacidade do Estado haitiano. Hoje, nas operações de socorro, você pode ver que não há instituições nacionais, só ONGs. Espero também que a ajuda internacional dê mais ênfase à área rural. Embora ela não tenha sido tão afetada pelo tremor, 60% da população ainda vive lá. O fato de quase 3 milhões de pessoas se aglomerarem em Porto Príncipe em condições terríveis é consequência de não haver política agrícola.

FOLHA - Uma das críticas à política dos EUA para o Haiti é a de que, quando Jean-Bertrand Aristide foi reconduzido à Presidência com apoio militar americano (1994), uma das condições foi que ele implantasse uma política econômica liberalizante. Isso teria dizimado a agricultura. É uma crítica correta?
FATTON - Isso é absolutamente verdade. Mesmo antes da volta de Aristide, os militares começaram a abrir a economia, em particular para o arroz americano. Esse arroz, que é subsidiado, era vendido muito mais barato do que a produção local, que entrou em declínio. Quando Aristide voltou, ele assinou um acordo com o FMI e o Banco Mundial consolidando o projeto neoliberal. A abertura teve um impacto devastador na produção de comida e nas pequenas indústrias que produziam para o mercado interno. A estratégia continua sendo a mesma, voltada para a criação de núcleos urbanos de confecção de produtos baratos para exportação aos EUA, principalmente têxteis.

FOLHA - Como as maquiladoras mexicanas?
FATTON - É o modelo. Na minha visão, não funciona. Já foi tentado sob [o ditador] Jean-Claude Duvalier [1971-1985] e levou a uma catástrofe. Não é que o Haiti não tenha que ter uma base exportadora, mas ela não deve ser o motor do desenvolvimento do país. Se esse rumo for mantido, haverá pequenos encraves, com trabalhadores mal pagos, e o campo continuará negligenciado.

FOLHA - O Haiti é dependente de ajuda internacional. Por que esse dinheiro não produziu resultados na redução da pobreza, por exemplo?
FATTON - Se você olhar os últimos 15, 20 anos, muito dinheiro foi enviado ao Haiti, mas boa parte dele ligado a companhias americanas. Há um círculo vicioso, porque o dinheiro volta para os EUA. Em meados dos anos 90, os EUA davam anualmente US$ 3 bilhões ao Haiti, mas uma parte significativa ia para os soldados americanos que estavam lá, para os assessores americanos e para a compra de produtos americanos. As doações também evitavam o Estado e eram dadas a instituições não governamentais, porque a premissa era a de que o governo era corrupto e ineficaz. O problema é que ONGs em geral têm base local, e suas atividades não são filtradas através de um programa nacional abrangente. E, apesar de haver ONGs que prestam ótimos serviços a pessoas pobres, há outras que são igualmente corruptas. E não se sabe o quanto do que recebem vai de fato para ajuda ao desenvolvimento.

FOLHA - A debilidade do Estado é fenômeno recente no Haiti ou sempre foi assim?
FATTON - A ideia de um Estado fraco é complicada. Sob os Duvalier [1957-1985] havia um Estado incompetente e corrupto, mas forte na repressão. Após a queda da ditadura, houve uma série de crises, com eleições fracassadas e golpes, que minaram o Estado por dentro. Essa tendência se agravou sob a orientação dos principais doadores, que viam o Estado como um problema. Agora, se a comunidade internacional tem intenções sérias de reconstruir o país, deve contribuir para a implantação de um serviço público efetivo. Do contrário, haverá alívio, mas não desenvolvimento.

FOLHA - Como avalia o trabalho da Minustah, a força de paz da ONU?
FATTON - Se não fosse pela Minustah, o país estaria sob caos ainda maior. Goste-se ou não, ela é elemento essencial da situação atual. Foi criticada às vezes por ser muito violenta, outras vezes por não ser violenta o suficiente. Não é surpreendente que os haitianos tenham uma relação de amor e ódio com a Minustah. Não gostamos de tropas estrangeiras em nosso solo, mas sabemos que não podemos ficar sem ela. O ponto-chave é como fazer a transição da Minustah para uma força local.

FOLHA - Países como o Brasil, com posição de comando na Minustah, podem influenciar políticas de instituições multilaterais para o Haiti?
FATTON - Tenho a esperança de que possam mover os EUA para uma orientação diferente da política econômica prescrita para o Haiti. Se têm o poder para fazer isso, é outra questão. A Minustah é em grande parte um assunto latino-americano, com o Brasil no centro. Os EUA gostam disso, porque não precisavam mandar seus próprios soldados. Isso dá peso ao Brasil. Mas, pelo discurso de [Barack] Obama [na última quinta-feira], haverá de novo um enorme envolvimento americano no Haiti.

FOLHA - O senhor disse que o terremoto poderia produzir um novo contrato social no Haiti. Por quê?
FATTON - O terremoto afetou a todos, pobres e ricos. Claro que muitos dos ricos têm mais condições de reagir à catástrofe, mas há outros que perderam tudo. Acho que isso pode forçar a minoria rica a ver a situação do país com olhos diferentes, com mais simpatia pelos haitianos comuns. Claro, a experiência histórica não recomenda otimismo, mas a catástrofe é tão grande que talvez possa mudar percepções e a maneira como as pessoas se tratam.

FOLHA - A clivagem entre pobres e ricos é a principal na sociedade haitiana?
FATTON - Certamente, é a chave. Estamos falando de 5% a 10% da população com algum recurso, 5% que vão muito bem e 70%, 80% que não têm nada. Temos divisões de cor, mas elas são menores se comparadas à clivagem entre pobres e ricos.

FOLHA - Mas os ricos ainda controlam o sistema político?
FATTON - Agora não há mais sistema político, não há governo. A comunidade internacional está no comando, o aeroporto está sob controle dos americanos. Antes do terremoto, apesar de o governo ter algumas tendências populistas, a situação estava claramente nas mãos da minoria rica.

FOLHA - Grupos ligados a Aristide haviam sido excluídos das eleições deste ano. Como vê isso?
FATTON - Acho que o presidente [René] Préval conseguiu dividir o Lavalas [movimento de Aristide] de tal forma que ele não pode mais mobilizar grandes segmentos da população. Aristide continua sendo popular, mas o movimento foi dizimado. Ao mesmo tempo, é improvável que as principais potências, EUA e França, aceitem a volta de Aristide.

FOLHA - E isso o senhor considera positivo ou negativo?
FATTON - Difícil dizer. Aristide é uma figura muito carismática, mas ao mesmo tempo há hoje uma forte oposição a ele, que não vem só da elite, mas de setores que costumavam apoiá-lo. Seu poder diminuiu. Por outro lado, o terremoto pode dar a ele uma chance de se reafirmar, o que vai depender do resultado da operação de socorro e do que virá depois dela. Se a operação for mal administrada, pode haver uma reemergência do Lavalas, se não necessariamente da figura de Aristide.

FOLHA - Se Préval foi tão hábil em dividir o Lavalas, por que seu governo é instável, já no terceiro premiê?
FATTON - O governo se tornou instável depois dos distúrbios contra o aumento do preço dos alimentos [em março de 2008]. Foi um momento de crise. Mas não acho que você deva olhar para as trocas de primeiro-ministro como sintoma de instabilidade. Elas geralmente significam apenas transferir pessoas para novos cargos, mas não mudam a estrutura.
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Como se faz um Haiti?


[Haiti, 1937
Rex Hardy. Life]

Folha de S. Paulo, 17 jan.2010
   
VINICIUS TORRES FREIRE

O HAITI era um lugar tão miserável como tantos outros da América Central em meados do século 20. Mas talvez já estivesse pronto para se tornar um dos piores buracos do inferno sobre a Terra.

Sua agricultura comercial se degradara desde a independência. A reforma agrária dos anos 1820 criou uma extensa classe de pequenos agricultores, de culturas pouco produtivas, em solos destroçados por técnicas primitivas, estrutura fundiária que resiste até hoje. A cleptocracia escancarada é uma forma de governo estabelecida desde meados do século 19, quando também se firmou a estratificação social racista, a divisão entre mestiços e negros que, no entanto, vem do tempo das guerras revolucionárias. Também enraizado era o analfabetismo imenso.

Os dados mais antigos confiáveis, dos anos 1970, dão o Haiti como um dos países mais iletrados da região. Seja qual for o motivo mais profundo, o Haiti tornou-se definitivamente a retaguarda do atraso latino-americano a partir dos anos 1960. A data coincide com o início do regime dos Duvalier (1957-86), apoiados pelos EUA.

Mas outros países da região tiveram ditadores dementes e genocidas, a começar pela vizinha República Dominicana de Rafael Trujillo, que roubou e aterrorizou o país de 1930 a 1961.

Como de costume na América Central, os haitianos foram vítimas de golpes patrocinados por comerciantes europeus e americanos, que bancavam o aventureiro político da ocasião a fim de ganhar uns trocados. Invasões americanas também foram normais na região. O Haiti foi ocupado pelos Estados Unidos de 1915 a 1934, que tomaram conta das finanças do país até 1941. Mas esse foi um período de rara estabilidade no Haiti. Os americanos fizeram obras de infraestrutura e puseram ordem na economia.

Os haitianos mais educados começaram a fugir em meados do século 20. Segundo o dado mais recente do Banco Mundial, 140 mil pessoas deixaram o país em 2005 (os haitianos são 9,5 milhões).

A remessa de dinheiro dos expatriados equivale a 17% do PIB. A receita de impostos do governo é de 11% do PIB, mas o governo gasta o equivalente a cerca de 20% do PIB -doações internacionais etc. completam a diferença, segundo uma comissão conjunta do FMI e do governo haitiano.

Cerca de 55% da população vive com menos de 40 gourdes por dia, o equivalente a US$ 1 ou R$ 1,75. O quinto da população mais "rica" fica com 70% da renda; os 20% mais pobres, com 1,4%, uma das piores distribuições de renda do planeta (parecida com a do Brasil nos anos 1990).

Na década seguinte à queda dos Duvalier, o PIB per capita recuou 4,6% ao ano (1987-97). De 1997 a 2007, 1,3% ao ano. Os golpes e lutas entre 1987 e 2001 destroçaram o país. O embargo econômico de 1991 a 1995, imposto por EUA e ONU, acabou com quase todo o resto.

Para piorar, houve a alta do preços das commodities pré-crise. O Haiti importa 33% do valor do PIB, muita comida e petróleo. Exporta 12% do PIB. Cerca de 90% das exportações saem das maquiladoras, montadoras de manufaturas baratas em zonas francas, as mesmas empresas que foram trucidadas na crise do embargo dos anos 1990. Quatro furacões em 2008 completaram o estrago. O Haiti quase não existe.

vinit@uol.com.br
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14 de janeiro de 2010

Marxismo e elitismo: dois modelos antagônicos de análise social?


[Movimento, 1955.
Estocarda, Alemanha.
Alexandre Wollner.
Pirelli/MASP]

Adriano Codato
Renato Perissinotto

artigo publicado na Rev. bras. Ci. Soc.,  São Paulo,  v. 24,  n. 71, pp. 143-153, out.  2009.

RESUMO

Este artigo contrapõe-se às proposições sobre poder, classe e dominação política de classe elaboradas por uma vertente particular do marxismo - o marxismo estruturalista -, por meio de um diálogo crítico com um de seus autores paradigmáticos: Nicos Poulantzas. Defendemos que, ao contrário do que sugere Poulantzas, a introdução do conceito de "elite" no interior do marxismo teórico pode ser produtiva para o desenvolvimento dessa perspectiva de análise social, tornando a abordagem classista da política operacionalizável cientificamente.

Palavras-chave: Marxismo; Teoria das elites; Teoria social; Nicos Poulantzas; Análise de classe.

ABSTRACT

The purpose of this article is to contrapose the propositions on power, class and political domination presented by a particular interpretation of Marxism - structuralist Marxism - through a critical dialogue with one of its most paradigmatic authors: Nicos Poulantzas. The article states, against Poulantzas suggestions, that the insertion of the concept of "élite" in theoretical Marxism may produce positive effects on it, specially making the classist analysis of politics scientifically manageable.

Keywords: Marxism; Élite theory; Social theory; Nicos Poulantzas; Class analysis.

RÉSUMÉ

Cet article s'oppose aux propositions sur le pouvoir, la classe et la domination politique de la classe élaborés par un volet particulier du marxisme - le marxisme structuraliste -, au moyen d'un dialogue critique avec l'un de ses auteurs paradigmatiques: Nicos Poulantzas. Nous défendons que, à l'opposé de ce que suggère Poulantzas, l'introduction du concept d' "élite" au sein du marxisme théorique peut être productif pour le développement de cette perspective d'analyse sociale, de façon à permettre que l'abordage classiste de la polique soit scientifiquement opérationnalisable.

Mots-clés: Marxisme; Théorie des élites; Théorie sociale; Nicos Poulantzas; Analyse de classe.

clique aqui para
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12 de janeiro de 2010

prelude from Bach´s Cello Suite No. 1

[Exercício de Linguagem, 1975.
Sebastiao Barbosa.
Pirelli/MASP]

Paul Tortellier [bio aqui] dá uma aula sobre as diferentes maneiras de interpretar a Suíte n. 1 para Violoncello de Bach (Prelúdio).
veja aqui

Definitivamente, não se ouve só com o ouvido.
Ele diz que há diferentes modos de executar Bach, que podem fazer da sua música uma glória a Deus ou ao metrônomo...



Duas interpretações bem diferentes podem ser ouvidas aqui:
a de Yo-Yo Ma
e a de Mstislav Rostropovich
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10 de janeiro de 2010

as elites políticas: questões de teoria e método

[Praça do Patriarca, 2003.
Tuca Vieira.
Pirelli/MASP]

Em dezembro de 2009, Renato Perissinotto lançou, pela Editora IBPEX, de Curitiba, o livro
As elites políticas: questões de teoria e método

Abaixo, leia a "Apresentação" do volume:

Este livro pretende apresentar ao leitor as principais características daquilo que ficou conhecido na teoria social e política como “teoria das elites”. Não é nossa intenção esgotar o assunto e nem mesmo tangenciar todas as questões que esta teoria suscitou nos últimos cem anos. Como se trata de uma obra introdutória, o autor procurou identificar os fundamentos da teoria das elites, suas principais proposições e, por fim, os seus desenvolvimentos posteriores.

Para tanto, o livro está organizado da seguinte forma. Na primeira parte, o leitor encontrará a exposição das idéias principais dos pais fundadores da teoria das elites. O primeiro capítulo é dedicado à obra de Gaetano Mosca, o segundo, à de Vilfredo Pareto, e o terceiro capítulo discute a sociologia de Robert Michels. A segunda parte do livro dedica-se a analisar os desenvolvimentos posteriores realizados pelos cientistas políticos do século XX. Apesar do número de autores que lidaram com as questões típicas da teoria das elites ao  longo do século passado ser muito grande, resolvemos, por razões didáticas e por problema de espaço, reduzir essa segunda parte aos estudiosos que protagonizaram um dos mais importantes e profícuos debates metodológicos da ciência política contemporânea, a saber, o debate entre elitistas, pluralistas e teóricos da não-decisão. Ainda nesta segunda parte, apresentamos a crítica dos sociólogos e cientistas políticos de inspiração marxista aos pressupostos da teoria das elites. Por fim, à guisa de conclusão, apresentamos alguns argumentos segundo os quais, apesar das críticas e dos problemas encontrados na teoria das elites, justifica-se, do ponto de vista científico, estudar as minorias que comandam as sociedades humanas.

O espírito que orientou a elaboração deste livro foi o de revelar ao leitor os pressupostos normativos e ideológicos por detrás das proposições teóricas dos diversos autores aqui analisados. Ao mesmo tempo, porém, esforçamo-nos para colocar em destaque o valor científico de suas contribuições. Afinal, apesar de o sociólogo estar inescapavelmente mergulhado no mar de preconceitos e ideologias que inunda as sociedades humanas, só faz sentido se referir à Sociologia como uma ciência se o conhecimento que ela produz trás consigo ao menos algum grau de objetividade. Cada um a sua maneira, os autores aqui analisados sempre se guiaram por essa preocupação.

para comprar o livro,
clique aqui [Editora IBPEX]
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9 de janeiro de 2010

ainda a teoria das classes sociais

[Avenida Paulista, 1983
Carlos Fadon Vicente.
Pirelli/MASP]


O CONCEITO DE CLASSES SOCIAIS E A LÓGICA DA AÇÃO COLETIVA
Bruno P. W. Reis

Dados – Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, 34 (3): 415-41. 1991.

O artigo sustenta que a formulação olsoniana da lógica da ação coletiva, ao demonstrar a indeterminação da conduta política dos membros de uma mesma classe social, lança um grave desafio sobre a teoria marxista das classes sociais, pois impede qualquer afirmação conclusiva sobre a inevitabilidade da revolução proletária. Em seguida examinam-se as contribuições ao assunto feitas por autores como G. A. Cohen, John Roemer, Jon Elster e Adam Przeworski, buscando captar em que medida cada um se inclina por uma concepção “objetivista” (ênfase na classe “em si”) ou “subjetivista” (ênfase na classe “para si”) do conceito de classe social. Ao final, o artigo conclui reconhecendo o caráter incontornável da indeterminação da conduta política dos membros de uma classe e rechaçando as tentativas – especialmente a de Przeworski – de se contornar o problema através de redefinições do conceito de classe social que redundam na redução do nexo causal entre classe e conflito a uma circularidade tautológica. Preserva-se, não obstante, a relevância do conceito de classes sociais na análise sociológica – em termos muito próximos, senão idênticos, às formulações de Max Weber sobre o tema – como base freqüente, embora não necessária, da ação comunal.

para ler o artigo
completo, clique aqui
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7 de janeiro de 2010

entendendo as classes sociais

[Série A Várzea do Carmo, 1979-1980
São Paulo, SP
Raul Garcez.
Pirelli/MASP]



Eis um exemplo das grandes descobertas da sociologia política marxista contemporânea.
Erik Olin Wright publicou no último número da New Left Review o artigo UNDERSTANDING CLASS.
NLR, n. 60 nov./dec. 2009

Ele sustenta, basicamente, que uma nova teoria das classes deve combinar três modelos de análise social: o marxista, o weberiano e as teorias da estratificação social.

Abaixo, a introdução do bruto.

Towards an Integrated Analytical Approach

When I began writing about class in the mid-1970s, I viewed Marxist and positivist social science as foundationally distinct and incommensurable warring paradigms. I argued that Marxism had distinctive epistemological premises and methodological approaches which were fundamentally opposed to those of mainstream social science. In the intervening period I have rethought the underlying logic of my approach to class analysis a number of times. [1] While I continue to work within the Marxist tradition, I no longer conceive of Marxism as a comprehensive paradigm that is inherently incompatible with ‘bourgeois’ sociology. [2]

Having previously argued for the general superiority of Marxist class analysis over its main sociological rivals—especially Weberian approaches and those adopted within mainstream stratification research—I now take the view that these different ways of analysing class can all potentially contribute to a fuller understanding by identifying different causal processes at work in shaping the micro- and macro- aspects of inequality in capitalist societies. The Marxist tradition is a valuable body of ideas because it successfully identifies real mechanisms that matter for a wide range of important problems, but this does not mean it has a monopoly on the capacity to identify such mechanisms. In practice, then, sociological research by Marxists should combine the distinctive Marxist-identified mechanisms with whatever other causal processes seem pertinent to the explanatory task at hand. [3] What might be called a ‘pragmatist realism’ has replaced the ‘grand battle of paradigms’.

For the sake of simplicity, in what follows I will focus on three clusters of causal processes relevant to class analysis, each associated with a different strand of sociological theory. The first identifies classes with the attributes and material life conditions of individuals. The second focuses on the ways in which social positions afford some people control over economic resources while excluding others—defining classes relative to processes of ‘opportunity hoarding’. The third approach conceives of classes as being structured by mechanisms of domination and exploitation, in which economic positions accord some people power over the lives and activities of others. The first is the approach taken in stratification research, the second is the Weberian perspective, and the third is associated with the Marxist tradition.
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5 de janeiro de 2010

twitter do blog Sociologia Política


[Aleksandr Rodchenko (1891-1956)]



criei uma área no tal do twitter para o blog. vamos ver se funciona.
vou procurar escrever coisas mais informais lá, textos que não fariam muito sentido nesta vetusta página.

José Saramago (de quem tomei o desgosto pelas maiúsculas) disse sobre esse troço que "Os tais 140 caracteres reflectem algo que já conhecíamos: a tendência para o monossílabo como forma de comunicação. De degrau em degrau, vamos descendo até o grunhido" [entrevista a O Globo, em 26 jul. 2009].

é meio mal-humorado mas deve ser verdadeiro.

o endereço do bruto é
https://twitter.com/sociopol

 

Jon Elster e a democracia

[Fazenda de Itu,
1973.

Stefania Bril.
Pirelli/MASP]

ENTREVISTA
JON ELSTER
A
CLAUDIA ANTUNES

Folha de S. Paulo,
17 jun. 2007

Essa entrevista de Elster à Folha, embora antiga, toca em dois pontos importantes, a meu ver: a necessidade de pensar a democracia deliberativa a partir de seus "mecanismos", e não apenas de valores; e a dificuldade do socialismo em manter as pessoas mobilizadas e interessadas em política todo o tempo.

FOLHA - Como vai a democracia no mundo, em sua opinião?
JON ELSTER - Eu considero que hoje só há uma escolha, entre democracia e ditadura; a possibilidade de um governo da elite ou da oligarquia está morta para sempre. Ninguém pode reivindicar superioridade em termos de riqueza, nascimento ou educação. Agora, o que vemos em alguns países como a Rússia é uma forma especial de democracia, que é autoritária. Embora baseada em eleições, é difícil dizer o quanto isso importa. Para uma democracia verdadeira, é preciso ter partidos políticos que se alternem no poder. É o teste para sabermos se estamos diante de um arremedo de democracia ou de uma democracia verdadeira. A Quinta República Francesa só provou ser uma democracia em 1981, quando os socialistas chegaram à Presidência.

FOLHA - Há o argumento de que partidos diferentes governam igual por causa da influência de oligarquias econômicas não eleitas.
ELSTER - Em primeiro lugar, eu não acho que isso se aplique à política externa. Um governo democrata nos EUA possivelmente não estaria numa guerra no Iraque. De maneira geral, há alguma correção no raciocínio de que, numa economia de mercado globalizada, há restrição às ações dos governos. Mas ela é muito ou pouco importante? Depende do país, das políticas. Não dá para generalizar.

FOLHA - O senhor defenderia o voto obrigatório em países onde a abstenção é alta, como os EUA?
ELSTER - Acho que dependeria de quais seriam as sanções para quem não votasse, ou a recompensa para quem votasse. É verdade que existe nos EUA um problema de participação democrática - o último presidente foi eleito por 29% dos eleitores, uma base popular muito pequena. Isso é perigoso.

FOLHA - O senhor diz que chegar a governos estáveis deve ser uma meta dos sistemas eleitorais. Como combinar representação justa e estabilidade?
ELSTER - Com compromissos. Para ter justiça, você pode ter representação proporcional; para ter alguma estabilidade, precisa ter uma cláusula de barreira de 3% ou até 5% dos votos, de modo que os pequenos partidos não possam chegar ao Parlamento. O voto proporcional pode gerar menos estabilidade do que o majoritário, mas pode levar a mais justiça.

FOLHA - O Congresso brasileiro debate a introdução de listas partidárias fechadas. É democrático?
ELSTER - Um sistema em que só os partidos podem designar a ordem dos eleitos é antidemocrático. O sistema ideal tem que combinar algum papel dos partidos na criação das listas mas também a possibilidade de os eleitores modificarem-na.

FOLHA - Que importância o senhor dá ao equilíbrio de poder entre as instituições do Estado?
ELSTER - Tanto a separação dos Poderes quanto a existência de pesos e contrapesos são importantes. Mas nos EUA, por exemplo, há contrapesos demais. O Senado americano é, acredito, uma instituição ridícula por causa do modo como é eleita, dando a todos os Estados o mesmo peso. Hoje, a Alemanha apresenta um bom equilíbrio. Embora tenha um modelo federativo, não dá poder igual a todos os Estados no Senado; há certa proporcionalidade.

FOLHA - O senhor é próximo de proponentes da chamada "democracia deliberativa", que enfatiza o consenso por meio do debate público mais do que a disputa político-eleitoral entre grupos de interesse. Qual a influência do alemão Jürgen Habermas em sua obra?
ELSTER - O meu trabalho sobre a democracia foi de certa maneira inspirado por Habermas. Mas há uma diferença fundamental: Habermas está mais preocupado com princípios normativos da deliberação e eu com os mecanismos de causa e efeito na deliberação e como características institucionais podem melhorar a qualidade da deliberação. Acho que as idéias de Habermas até certo ponto tolhem o debate de fato; quer dizer, as pessoas têm que falar e agir como se fossem "habermasianas".

FOLHA - Como se fossem neutras?
ELSTER - É, imparciais. Isso é o que chamo no meu trabalho de "a força civilizadora da hipocrisia". Então tento usar as idéias de Habermas para explicar o comportamento de pessoas de verdade que são constrangidas pelo meio público. Mesmo se as pessoas estão motivadas apenas pelos seus interesses individuais, as regras e mecanismos do debate público vão forçá-las a justificar suas posições em termos de interesse público. Isso limita o interesse particular, em alguma medida.

FOLHA - O que o senhor acha da idéia da democracia participativa, muito popular na América Latina?
ELSTER - Oscar Wilde disse que o problema do socialismo é que a semana só tem sete noites. Do mesmo modo, a democracia participativa às vezes parece exigir mais compromisso e mais recursos do que é razoável esperar das pessoas.
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4 de janeiro de 2010

papers produzidos pela oficina de pesquisa em sociologia histórica


[Buraco na Parede.
Barcelona, 1993.
Miguel Rio Branco.
Pirelli/MASP]

Em fins de 2008 iniciamos a oficina de pesquisa em sociologia histórica vinculada ao Núcleo de Pesquisa em Sociologia Política Brasileira da UFPR.

Ao longo do ano produzimos uma série de papers.

Nosso objetivo é a construção de uma plataforma de pesquisa para aplicação a objetos empíricos determinados com um viés comparativo e generalizante.

Abaixo, os links para os textos.

1a. sessão (27.nov.2008): Renato Perissinotto: Indução, comparação e compreensão nas ciências sociais

2a. sessão (18.dez.2008): Hugo Loss: síntese metodológica de Pierre Bourdieu: As regras da arte

3a. sessão (27.fev.2009): Fernando Leite: síntese metodológica de Barrington Moore Jr.: As origens sociais da ditadura e da democracia

4a. sessão (22.mai.2009): Pedro Leonardo Medeiros: síntese metodológica de Reinhard Bendix: Construção nacional e cidadania

5a. sessão (19 ago. 2009): Hugo Loss: síntese metodológica de Theda Skocpol: Estado e revoluções sociais

6a. sessão (30 set. 2009): Paulo Costa: síntese metodológica de Max Weber: A ética protestante e o espírito do capitalismo

7a. sessão (26 fev. 2009): Adriano Codato: síntese metodológica de Charles Tilly: Coerção, capital e Estados europeus [em breve]

8a. sessão (9 dez. 2009): Renato M. Perissinotto: síntese metodológica de Theda Skocpol: Vision and Method in Historical Sociology

9a. sessão (30 abr. 2010): Paulo Costa: síntese metodológica de Perry Anderson: Linhagens do Estado absolutista [em breve]
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