artigo recomendado

Bolognesi, B., Ribeiro, E., & Codato, A.. (2023). A New Ideological Classification of Brazilian Political Parties. Dados, 66(2), e20210164. Just as democratic politics changes, so does the perception about the parties out of which it is composed. This paper’s main purpose is to provide a new and updated ideological classification of Brazilian political parties. To do so, we applied a survey to political scientists in 2018, asking them to position each party on a left-right continuum and, additionally, to indicate their major goal: to pursue votes, government offices, or policy issues. Our findings indicate a centrifugal force acting upon the party system, pushing most parties to the right. Furthermore, we show a prevalence of patronage and clientelistic parties, which emphasize votes and offices rather than policy. keywords: political parties; political ideology; survey; party models; elections

31 de outubro de 2009

O fórum e o senador





Fábio Wanderley Reis

Valor Econômico

18 out. 2008

parte da palestra no 1º Fórum Nacional de Pós-Graduação em Ciência Política da UFMG

Numa iniciativa brotada do dinamismo de estudantes que se mobilizam e organizam, ocorreu semana passada, na UFMG, o I Fórum Brasileiro de Pós-Graduação em Ciência Política, com intensa participação de pós-graduandos de todo o país.

Destacando os “desafios metodológicos” da disciplina como tema geral, ao qual se dedicou especificamente uma mesa redonda de abertura composta por profissionais brasileiros, eu mesmo incluído, é no mínimo curioso que o evento tenha coincidido com uma notícia algo surpreendente vinda dos Estados Unidos e veiculada pelo “New York Times” no dia 19 de outubro: a de que o senador Tom Coburn, do Partido Republicano, propõe que a National Science Foundation seja proibida de “desperdiçar” recursos federais para pesquisa em projetos de ciência política, dada a suposta irrelevância desta do ponto de vista do interesse público. [leia aqui o projeto]

Naturalmente, a proposta suscitou forte oposição de acadêmicos da área, além de ver-se enfraquecida por ocorrer no momento em que uma cientista política tem a importância do seu trabalho reconhecida com o prêmio Nobel. Mas a iniciativa de Coburn, como o NYT não deixa de registrar, ecoa preocupações com a relevância da disciplina que se manifestam entre os próprios cientistas políticos.

Na mesa redonda inaugural do fórum da UFMG, um levantamento de Gláucio Soares mostrava com clareza certas lacunas das pesquisas e publicações da ciência política brasileira recente: são amplamente ignorados temas como, por exemplo, os relativos à ditadura militar de 1964, ou regiões e países como os da Ásia, África e mesmo América Latina.

Sejam quais forem as implicações a serem extraídas de observações como essas, a questão da relevância na área geral das ciências sociais tem assumido, no país, a feição peculiar de uma contraposição entre certa inspiração “nacionalista” e social da preocupação com relevância, por um lado, e, por outro, a busca de rigor analítico e qualidade científica no trabalho: a relevância ou urgência social (ou “nacional“) dos temas e problemas justificaria o relaxamento quanto a padrões de qualidade.

Mas é patente o equívoco envolvido nisso.

Os problemas socialmente importantes ou prementes são problemas cujo debate envolverá com intensidade os leigos (na condição de cidadãos, e com todo o direito); não caberia esperar que os supostos cientistas sociais e políticos, bem intencionados que sejam, simplesmente juntem seus palpites aos palpites dos leigos, com frequência condicionados fortemente pelo próprio debate leigo. A expectativa de que as ciências sociais possam trazer contribuição efetiva para o encaminhamento dos problemas práticos supõe que essa contribuição apresente uma distintiva “marca” (um “selo”?) de qualidade analítica e científica. Nessa ótica, invertendo, de certa forma, o que sugere a posição indicada acima, a qualidade se torna condição indispensável da relevância entendida de maneira adequada.

Contudo, o fato de que a posição de Coburn sobre a ciência política ressoe nos meios profissionais mesmo nos Estados Unidos redunda numa advertência especial sobre a própria ideia de qualidade.
Pois a qualidade científica tem sido crescentemente entendida, entre nós, em termos do recurso a certa canônica cuja penetração se deve sobretudo justamente à influência dos Estados Unidos.

Essa canônica visualiza uma ciência social (e política) de ambições generalizantes e empírico-dedutivas, em que o trabalho de elaboração conceitual sirva de bom fundamento a afirmações específicas que, em diferentes áreas de problemas, possam ser confrontadas de modo sistemático com dados de algum tipo. Ora, tem sido apontado com razão, lá como cá, a distorção em que o trabalho referido aos dados, geralmente dados estatísticos, deixa, com frequência, de ser guiado pela reflexão conceitual apropriadamente ambiciosa e rigorosa e se torna ritualista e destituído de significação (embora a ênfase torta em tecnicismos relativos a “significação estatística” seja um dos erros habituais a acompanharem a distorção).

Um aspecto saliente do problema de como obter a eventual junção qualidade-relevância é o desafio de que as questões do dia a dia, objeto de valioso registro do jornalista ou do historiador convencional, possam ser encaradas à luz de proposições de alcance geral - e seu diagnóstico “seguro” eventualmente obtido com atenção para a regra de que a apreensão mesmo do que há de específico ou peculiar em dado caso não tem como escapar da busca de “regularidades” e da comparação com outros casos de algum modo afins.

Do ponto de vista da política como ramo especial de estudo, uma recomendação correlata é a de que não há como evitar o que se costuma chamar as “grandes questões” — em outras palavras, não cabe entender a ciência política senão como uma sociologia da política, empenhada em dar conta da articulação entre os processos institucionais e os do substrato dos conflitos sociais de diferentes tipos.

É claro, isso não autoriza a abrir mão da modéstia: se tomamos o desafio dramático da violência brasileira crescente, por exemplo, é impossível pretender que mesmo a compreensão sofisticada das razões “estruturais” da violência no Brasil leve a receitas de pronta eficácia em termos de políticas públicas. Mas tampouco há como negar que o trabalho de especialistas pode iluminar aspectos do problema que talvez representem uma via de acesso a políticas mais efetivas. Assim como de alguma utilidade, presumivelmente, será também a reflexão mais “realista” e empiricamente orientada sobre a dinâmica da democracia e suas relações problemáticas com o substrato de um capitalismo sujeito a idas e vindas.

Seja como for, se a política é fatal e de altos custos, vale supor que cabe pensá-la com rigor. E que é bom que a tarefa atraia os jovens talentosos e dinâmicos que o evento da UFMG mostrou em ação.
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30 de outubro de 2009

o sistema Qualis e a questão dos “critérios hegemônicos socialmente pertinentes”


Na pesquisa que Fernando Leite conduz sob minha orientação, acerca das frações dominantes no campo na Ciência Política brasileira, é usual a crítica, reiterada nas discussões do GT 18 do último encontro da Anpocs, que usar critérios produzidos pelos dominantes para aferir sua dominância é um contra-senso.

Abaixo, Fernando explica, com meu aval, nosso ponto de vista, justifica a metodologia e defende a técnica de pesquisa a ser empregada no estudo das "elites" da Ciência Política brasileira hoje.

[Adriano Codato]

* * *

Como utilizamos a classificação do Qualis CAPES como um dos principais indicadores para escolher e avaliar os periódicos a serem analisados a fim de identificar se há e quais são as correntes e/ou escolas dominantes na Ciência Política brasileira contemporânea e, por extensão, os pesquisadores e os centros hegemônicos, freqüentemente se faz a objeção de que estaríamos usando os critérios definidos ou impostos pelos próprios “hegemônicos” para dizer quem é “hegemônico”.

O mesmo poderia ser dito a respeito de outros indicadores como, por exemplo, o índice de impacto (que avalia um artigo pelo seu número de citações) ou o número de artigos produzidos num dado período.

Trata-se de uma acusação de circularidade, e que tende a gerar reações controversas. Mas cremos que isso é um mal-entendido, e não consiste num problema metodológico real. Explicaremos por etapas.

Em primeiro lugar, vamos tocar no ponto que acreditamos ser o principal foco de inquietação, relativo às implicações político-acadêmicas dos critérios adotados.

Ora, lembramos que o método “circular” que adotamos não equivale a tomar como naturais ou isentos os critérios do Qualis – ou qualquer outro. Não se trata de aquiescência em relação aos “valores dominantes”. Está no próprio princípio da pesquisa que os indicadores e critérios adotados são representações teóricas de estados cristalizados de processos de lutas, de conflitos; de mecanismos de luta e dominação.

Sabemos, pois, que eles são construções sociais arbitrárias que se institucionalizaram e se legitimaram por meio de conflitos sociais e de disputas simbólicas.

Em segundo lugar, como nosso objetivo é identificar as frações hegemônicas (para, a seguir, dizer por que o são), é necessário que os indicadores e critérios que tomamos para identificar as frações hegemônicas produzam efeitos sociais pertinentes, que efetivamente hierarquizem e ajudem a conservar a hierarquia do campo.

Assim, se por acaso os critérios do Qualis forem a cristalização de certa visão interessada do trabalho acadêmico na forma de referenciais de avaliação que atingem todo o campo acadêmico – exercendo assim influência ou constrangimento sobre as instâncias do campo –, persiste que eles são socialmente eficazes, sendo parte dos elementos responsáveis por hierarquizar o campo e por conservar certa hierarquia. E esse é justamente nosso interesse no momento.

Assim, por exemplo, se os “dominantes” controlam o Qualis da Ciência Política e Relações Internacionais, incluindo nele critérios que contribuem para que ocupam essa posição e que fornecem-lhes certos "privilégios", persiste que isso é um fato sociológico [e não moral] e que é efetivamente responsável pela hierarquização do campo. É algo que obriga os desfavorecidos a se conformarem ou a tomarem um curso de ação, caso queiram mudar sua situação. A própria dominação é um mecanismo social circular, em que o capital hegemônico recria suas próprias condições de reprodução (em nosso caso, instituindo regras acadêmicas de consagração), com bases essencialmente arbitrárias. Ao constatá-las, não estamos concordando com elas, e muito menos estamos enunciando (o que acreditamos que são) os fatos porque concordamos com eles ou porque queremos que tudo continue como está.

Em terceiro lugar, no que se refere às possíveis implicações político-acadêmicas de nossa posição metodológica, entendemos que tornar explícitos os mecanismos de dominação e a lógica de seu funcionamento é, na verdade, o maior instrumento para combatê-los.

Acreditamos que há certas vícios de pensamentos nas ciências sociais, oriundos talvez de sua falta de autonomia científica e sua proximidade com a política e a ideologia, que fazem com que associemos significados políticos a considerações de fato. Tende-se muito frequentemente a se confundir "ser" com "dever ser".

Quando se fala de "hegemonia", entende-se que implicitamente se sugere que "hegemônico" significa "melhor", "mais qualidade", "mais contribuição ao conhecimento" etc.

Os agentes do campo podem efetivamente, em suas práticas e representações, relacionar "prestígio" (i.e.: poder) com qualidade acadêmica, intelectual e científica; mas garantimos nós não fazemos ou estamos interessados nisso. Não estabelecemos qualquer relação entre hegemonia e qualidade acadêmica ou intelectual [ainda que ela possa, evidentemente, existir]. Para nós, inclusive, o poder ("capital") acadêmico, intelectual ou científico pode ou não estar a serviço do conhecimento.

O que importa para nossa pesquisa é que um fator tomado como indicador seja ou não socialmente pertinente para produzir a hierarquia (estrutura) do campo. A nosso ver, a utilidade do Qualis vai além de definir quais são os periódicos que merecem ser analisados. Achamos que ele é muito importante na determinação da hierarquia do campo acadêmico, incluindo aí o da Ciência Política contemporânea.
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22 de outubro de 2009

O Estado de todas as culpas

[Moças na Janela, 1950.
Salvador, BA. Pierre Verger
Pirelli / MASP]

O Estado de S. Paulo,
6.9.2009

Jessé Souza

O debate público e político brasileiro, há algumas décadas, é travado sob a forma de um suposto conflito entre mercado e Estado. A atual discussão sobre o petróleo do assim chamado pré-sal apenas o confirma. Assim sendo, se quisermos compreender efetivamente o que está em jogo nesse debate conjuntural sobre o que fazer com o dinheiro do petróleo recém-descoberto - assim como compreender os debates conjunturais do passado recente e dos que ainda vão acontecer no futuro próximo - temos que focar nossa capacidade compreensiva na reconstrução da estrutura invisível presente em todas essas situações conjunturais passageiras. O tema do debate muda ao sabor das circunstâncias. Sua "estrutura profunda", no entanto, permanece a mesma. Qual é a estrutura profunda nunca tematizada enquanto tal na mídia? O Estado é sempre suspeito de "politicagem" e de "aparelhamento" por indicações políticas e o mercado é definido como instância "técnica", ou seja, reflexo da "racionalidade pura" e do "cálculo técnico". Um é a esfera do "privilégio inconfessável" e o outro o reflexo da "razão técnica" supostamente no interesse de todos. É isso que explica o foco constante e diário na "corrupção política" como a lembrar ao público onde está o mal e onde está o bem. Como tudo no mundo social, essa é uma realidade "construída", fruto de uma leitura seletiva e interessada do mundo.

Como a recente crise mundial mostrou sobejamente (já nos esquecemos dela?), a corrupção é endêmica tanto no mercado quanto no Estado em qualquer latitude do globo. A mitigação da corrupção em qualquer esfera da vida ocorre quando os mecanismos de controle ganham eficiência. A leitura seletiva do Estado como ineficiente e corrupto e do mercado como pura virtude esconde a ambiguidade constitutiva dessas duas instituições que podem servir ao bem ou ao mal conforme seu uso. Por que a "dramatização" cotidiana mil vezes repetida de justamente essa visão distorcida do mundo? A meu ver porque ela é o núcleo mesmo da violência simbólica - aquele tipo de violência que não "aparece" como violência - que torna possível a manutenção e a reprodução continuada no tempo da sociedade complexa mais desigual e injusta do planeta.

O mundo social não é perceptível a olho nu. Pode-se ver a pobreza e a desigualdade nas ruas e não se perceber suas causas. O brasileiro das ruas aprendeu a vincular as mazelas sociais do Brasil à corrupção política. A tese do Estado corrupto - ou a tese do "patrimonialismo" na sua versão erudita igualmente conservadora e frágil - mata dois coelhos com uma mesma cajadada. Como o conflito que ela cria é falso de fio a pavio - na realidade, mercado e Estado são interdependentes e igualmente ambivalentes -, ela ajuda a fabricar uma realidade que permite esconder todos os conflitos sociais reais. Pior ainda. Como uma falsa oposição é dramatizada como "conflito", tem-se a impressão de que existe efetivo debate crítico entre nós, de que temos uma esfera pública atuante, uma mídia atenta e crítica e um país politicamente avançado, quando a realidade é, ponto por ponto, precisamente o inverso.

A dramatização do Estado ineficiente e corrupto serve como fachada para "representar" a política sob a forma simplista, subjetivada e maniqueísta das novelas, enquanto se cala e se esconde acerca das bases de poder real na sociedade. Toda a aparência é de "crítica social", enquanto toda ação efetiva é a da conservação dos privilégios reais. Assim, fala-se do combate aos "coronéis" e às "oligarquias" - sempre caricatamente nordestinas como o bigode de Sarney - enquanto escondem-se as reais novas oligarquias responsáveis por abocanhar quase 70% do PIB sob a forma de lucro ou juros reduzindo os salários a pouco mais de 30%. Nos países europeus social-democratas essa proporção é inversa. As falsas oposições escondem oposições reais. O falso "charminho crítico" da dramatização do Estado ineficiente e corrupto serve para esconder e desviar a atenção para a luta de classes que cinde o país entre privilegiados que possuem um exército de pessoas para servi-los a baixo preço e dezenas de milhões de excluídos sem nenhuma chance nem esperança de mudança de vida.

Para todo um exército de analistas que se concentram no "teatro" da política - com suas fofocas e escaramuças diárias entre senadores e deputados com poder decisório entre o nada e o muito pouco - falar-se em "luta de classes" é um tabu. Luta de classes é coisa do passado, tem a ver com greves de trabalhadores e sindicatos que estão desaparecendo ou perdendo importância. Essa é a cegueira da política como "espetáculo" pseudocrítico para um público acostumado à informação sem reflexão. A luta de classes só é percebida nas raras vezes em que as classes oprimidas logram alguma forma de reação pública eficaz. Condenam-se ao esquecimento todas as formas naturalizadas e cotidianas do uso e abuso do trabalho barato e não valorizado. Um pequeno exemplo. O exército de babás, empregadas, faxineiras, porteiros, office-boys, motoboys, que permitem que a classe média brasileira possa dedicar seu tempo a trabalhos valorizados e bem pagos relegando o trabalho pesado e mal pago a outra classe de seres humanos que tiveram o azar de nascer na família (e na classe social) errada. Isso não é "luta de classes"? Apenas porque não há piquetes, polícia e sangue nas ruas? Apenas porque essa dominação é silenciosa e aceita, dentre outras coisas porque também eles, os humilhados e ofendidos, ouvem todo dia que o nosso único mal é a corrupção no Senado ou em algum órgão estatal?

E para as classes média e alta? Não é um verdadeiro presente dos deuses ter privilégios que nem seus consortes europeus ou norte-americanos possuem e ainda poder ter a consciência tranquila de quem sabe que o mal do Brasil está em "outro" lugar, lá bem longe em Brasília, um "outro" abstrato, mau por definição, em relação ao qual podemos nos sentir a "virtude" por excelência? Não se fecha com isso um círculo de ferro onde necessidades sociais e existenciais podem ser manipuladas por uma política e uma mídia conservadora e seu público ávido por autolegitimação e por consciência tranquila?

Para Max Weber - pensador crítico mal lido entre nós como inspiração para a tese do patrimonialismo - os ricos, saudáveis e charmosos, em todas as épocas e em todos os lugares, não querem apenas ser ricos, saudáveis e charmosos. Eles querem saber que têm "direito" a serem ricos, saudáveis e charmosos em oposição aos pobres, doentes e feios. É essa necessidade o verdadeiro fundamento e razão do sucesso da tese da suspeição do Estado entre nós. Ela serve como uma luva para não perceber e naturalizar um cotidiano injusto e ainda transferir qualquer responsabilidade para uma entidade abstrata e longínqua, garantindo boa consciência e aparência de envolvimento crítico na política.

A cortina de fumaça do falso debate acerca da demonização do Estado serve para deslocar a única e verdadeira questão do Brasil moderno: uma desigualdade abissal que separa gente com todos os privilégios, de um lado, de subgente sem nenhuma chance real de uma vida digna desse nome, de outro lado. O culpado desse crime coletivo não é apenas o bigode de Sarney. É toda uma sociedade infantilizada por falsos debates e por falsas prioridades e que ainda se pensa - suprema autoindulgência - como crítica e atuante. Esse projeto político não é de partidos, até porque o consenso conservador atinge todos indistintamente. As tímidas iniciativas de política social do atual governo, por exemplo, são mero paliativo da efetiva redenção dos secularmente humilhados e ofendidos. O que fazer com os recursos do pré-sal poderia e deveria ser o estopim para um novo debate brasileiro, corajoso, maduro e generoso, por oposição ao debate covarde, infantil e mesquinho que temos hoje.

Jessé de Souza Possui graduação em Direito pela Universidade de Brasília (1981), mestrado em Sociologia pela Universidade de Brasília (1986), doutorado em Sociologia pela Karl Ruprecht Universität Heidelberg, Alemanha (1991) e livre docência em sociologia pela Universität Flensburg, Alemanha (2006). Realizou estágios pós-doutorais na New School for Social research de Nova Iorque, EUA (1994-1995) e, como Professor visitante, na Universität Bremen, Alemanha (1999-2000).
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20 de outubro de 2009

O retorno do mestre: Keynes

[Xmas Shopping, 1955.
Grey Villet. Life]


Folha de S. Paulo,
18 de outubro de 2009


LUIZ GONZAGA BELLUZZO*

DIZEM POR aí que Keynes voltou à moda.

Autor de três volumes sobre a vida e obra do célebre economista, Robert Skidelsky entregou à praça recentemente o livro "The Return of the Master".

Digo ao leitor que o livro, um ensaio, nos apresenta um Keynes mais revolucionário e inovador do que revelado na alentada biografia. Nos três magníficos volumes da biografia, Skidelsky cuidou de demonstrar que a crítica de Keynes ao capitalismo liberal era menos radical do que parece.

A responsabilidade pela transfiguração do economista-defunto nas mãos de seu biógrafo mais badalado cabe à derrocada intelectual da teoria econômica dominante nas última quatro décadas.

Os "economistas clássicos" criticados por Keynes em tantas ocasiões eram tão razoáveis quanto modestos se comparados aos desatinos "científicos" das últimas quatro décadas. A escola Nova Clássica, por exemplo, levou ao paroxismo, para não dizer ao ridículo, as hipóteses construídas a partir do comportamento racional e da tendência ao reequilíbrio "espontâneo" dos mercados.

Na concepção dos novos economistas, a sociedade é formada por indivíduos racionais e maximizadores, partículas obcecadas pelo cálculo utilitarista, que jamais alteram seu comportamento na interação com outras partículas carregadas de racionalidade.

Skidelsky vai fundo ao argumentar que os economistas definem o comportamento racional como aquele consistente com seus próprios modelos. Todas as outras formas de comportamento são tratadas como irracionais, configurando um enorme projeto ideológico incumbido de redefinir os humanos como pessoas que acreditam nas coisas que os economistas pensam sobre eles.

Keynes construiu uma teoria das decisões privadas em condições de incerteza. Alegava que não é possível a avaliação inequívoca dos resultados mais vantajosos mediante o cálculo de probabilidade. As pessoas, diz o economista Athol Fitzggibons, agem movidas pelo autointeresse inteligente, mas apoiadas no conhecimento não quantificável; as teorias do comportamento racional pressupõem que os agentes são movidos pelo autointeresse e pelo conhecimento quantificável. Eles fazem escolhas inteligentes entre vários futuros possíveis, o que permite à teoria das expectativas racionais concluir que eles podem convergir para apenas um futuro possível.

Na vida real dos mercados, os empresários tangidos pelo otimismo quanto aos resultados dos novos empreendimentos atropelam o medo do futuro incognoscível e decidem produzir nova riqueza. Mas o sucesso não aplaca, senão excita o desejo, suscitando a febre de investimentos, o crédito imprudente e bolhas especulativas.

Por isso, Keynes insistia "na direção inteligente pela sociedade dos mecanismos profundos que movem os negócios privados". A instabilidade inerente à economia monetária da produção só pode ser amenizada mediante a ação jurídica e política do Estado e pela atuação de "corpos coletivos intermediários", como um Banco Central dedicado à gestão consciente e socialmente responsável da moeda e do crédito.

*LUIZ GONZAGA BELLUZZO, 66, é professor titular de Economia da Unicamp.
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18 de outubro de 2009

Marx no tempo da dispersão

[A statue of Karl Marx.
Moscow, 1961. James
Whitmore. Life]

O Estado de S. Paulo
Aliás
11 out. 2009

José Arthur Giannotti

Professor emérito de filosofia da USP e pesquisador do Cebrap. É autor, entre outros, de Trabalho e Reflexão e Origens da Dialética do Trabalho. Este texto é o prefácio à segunda edição do livro Marx - Vida e Obra, agora renomeado Marx - Além do Marxismo (L&PM Pocket)




Minha obsessão em estudar Marx como clássico sempre esteve ligada ao projeto de examinar suas teses em vista das aberturas teóricas e práticas que propiciam. Nunca as vi como um sistema fechado, até mesmo O Capital, sua obra máxima, atira em várias direções, e tenho fortes suspeitas de que não foi por falta de tempo que restou inacabada.

O próprio Marx se recusava a ser identificado como marxista. Suas teses valem antes de tudo para serem prosseguidas. É sintomático que, analisando os Grundrisse, Antonio Negri tenha escrito Marx Oltre Marx. Meu novo título, Marx - Além do Marxismo, obviamente inspirado neste último, tenta sublinhar que a base a ser negada é o marxismo cristalizado numa profissão de fé ou numa corrente de pensamento que não se deixa correr. Se a obra de Marx procura desvendar os meandros das estruturas capitalistas de produção, é seu próprio equipamento intelectual que precisa ser renovado, na medida em que o objeto de estudo explode em várias direções.

Meus críticos irão dizer que tento confinar o marxismo aos muros das universidades, que apenas sublinho o lado filosófico da obra de Marx, quando a tarefa, antes de compreender, é transformar o mundo combatendo o capital. O conhecimento não se integra numa práxis? Mas tanto o capital como o mundo explodiram em várias direções, de sorte que nem mesmo podemos falar deles se não levarmos em conta essa dispersão. Além do mais, como detectar o empuxo transformador quando, hoje em dia, o que se tomou como motor da história, o proletariado, não encontra a unidade do capital social total para se contrapor como classe unificada? Não é por isso que as lutas de classe de hoje se fazem por direitos, por conseguinte, repondo o Estado em vez de contestá-lo?

"Marxismo" e "socialismo" se tornaram palavras equívocas. Enquanto havia Estados e partidos que se diziam marxistas, a adesão a ambos tinha, ao menos, um sentido político razoavelmente determinado. Na medida, porém, em que a revolução desaparece do horizonte efetivo da política, que sentido pode ter se assumir como marxista ou socialista? Não somos todos social-democratas nos seus mais variados sentidos? Diante da obra de Marx, sobra apenas tentar pensá-la pela raiz, vale dizer, a partir dela, como somos obrigados a fazer quando procuramos entender Aristóteles ou Kant, ou até mesmo Wittgenstein. Quando alguém ainda se identifica como marxista ou socialista, sem explicar o sentido dessa invocação, logo desconfio que está querendo fazer política sem sujar as mãos no seu jogo efetivo, muitas vezes contentando-se em votar num candidato cuja irrelevância parece ser compensada pela vácua sonoridade de seu discurso.

A crise econômica atual recoloca o problema do automatismo do capital e das contradições do sistema capitalista de produção. Depois de uma longa hegemonia do pensamento liberal, volta-se a falar em Keynes, e Marx passa a ser olhado sob novas perspectivas. Não é significativo que este opúsculo venha a ser reeditado neste momento? Essa crise atualiza certos conceitos marxistas, em particular aquele de um modo de produção cuja reposição passa por crises específicas. Não sei como as ciências sociais contemporâneas lidarão com esse tópico. Mas não vejo como escapar desse conceito de modo de produção, a não ser deixando de lado a específica historicidade de nosso modo de se repor em sociedade. Não é o próprio conceito de história que precisa ser considerado, nos seus dois vetores, história categorial, de um lado, a história do vir a ser, de outro. Esta me parece a primeira grande contribuição de Marx para o pensamento social.

O sistema capitalista se mostrou muito mais lábil do que se imaginava. Por certo essa maleabilidade não apagou suas contradições, continua sendo um extraordinário processo de criação de riqueza e de miséria, mas desapareceu de cena aquele vetor da história, o proletariado, que poderia contestá-lo pela raiz. Além do mais, as experiências do socialismo real mostraram a impossibilidade de uma produção da riqueza social sem as informações produzidas pelo mercado. Para Marx, dado o mercado, ele naturalmente se desdobraria no sistema do capital. Nosso desafio é impedir essa continuidade, por conseguinte, dar liberdade suficiente para que os agentes marquem os preços de seus produtos, sem que sejam levados pelo automatismo de um sistema produtivo, que se transforma num robô visando produzir e acumular riquezas em vista da simples acumulação.

Diante da tarefa de conciliar dois processos contraditórios, uma economia de mercado e uma política que se legitime na medida em que impeça a alienação desses mesmos mercados, pouco vale lamentar-se diante da miséria criada pela exploração capitalista. Mas qual seria a prática adequada para lidar com esses processos contraditórios? Creio que, nessa explosão dos mercados e na necessidade de repô-los num patamar mais humano e racional, no fundo se percebe a urgência de uma política capaz de se controlar a si mesma, em resumo, uma política democrática.

Se a questão é política, então façamos política. Mas eficaz, que tome como ponto de partida as condições dos sistemas políticos atuais, e examinemos teórica e praticamente suas possibilidades de mudança. Foram desmoralizados os arautos do novo homem, ou políticos que imaginavam suprimir o Estado à medida que o reforçavam. Marx desconfiava da democracia formal e, depois da Comuna de Paris, acreditou que uma ditadura do proletariado seria mais democrática do que ela. Mas esse conceito de ditadura serviu para justificar o lema "Todo poder aos sovietes", e hoje sabemos o golpe que ele significou na democracia russa.

Não me parece mais adequado pensar numa política que desemboque numa negação política, a partir da qual uma nova história teria início. Desconfio dos profetas do "novo homem" ou dos Zaratustras da vida. Aceito a política como ela é, mas sempre procurando seu dever ser. Por conseguinte, política democrática, sempre inacabada, precisando começar de novo.

Sob esse ângulo privilegio os textos de Marx que mostram como ações humanas terminam tendo consequências imprevistas e até mesmo indesejadas por elas enquanto atos individualizados. Sob esse aspecto, interessa-me particularmente o conceito hegeliano de alienação, mas torcido de tal forma que escape dos perigos do idealismo absoluto. Daí a necessidade de ler esses textos com lupa fina, cuidando de detectar as torções por que passam os conceitos quando tratam de configurar uma nova forma de práxis dialética. Por isso, depois de minha introdução, achamos conveniente apresentar alguns textos do próprio Marx, mas traduzidos de tal forma que pelo menos deixam transparecer essas torções conceituais. É o que procura fazer a tradução de Luciano Codato. Tarefa difícil, a ser retomada pelos leitores, porque o próprio Marx, numa carta ao tradutor d"O Capital para o francês, aconselha que deixe de lado essas nuances, pois os franceses não são dados a elas. Espero que os leitores de língua portuguesa compreendam a importância filosófica dessas torções.
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16 de outubro de 2009

Notas sobre a composição dos ministérios e cargos de confiança na Nova República

[Oca, 2001. São Paulo,
Nelson Kon. Pirelli / MASP]


trabalho a ser apresentado no Encontro da Anpocs 2009
GT 18: Elites e instituições políticas


Camila Romero Lameirão
(UFF, Universidade Federal Fluminense) e
Maria Celina D'Araujo (FGV-RJ, Fundação Getulio Vargas)

A composição dos ministérios e dos cargos de confiança do poder Executivo revela muito sobre a natureza do governo: suas alianças partidárias, programa polí­tico e econômico, orientação ideológica e compromissos sociais e setoriais. Permite ainda avaliar em que medida a elite dirigente de cada governo se diferencia ou se assemelha. Pretendemos elaborar um trabalho comparativo com dados sobre filiação partidária, ví­nculo associativo, ní­vel de escolaridade, e experiência polí­tica e profissional dos ministros que compuseram a presidência de Sarney a Lula. Além disso, temos como objetivo cotejar essas informações com os resultados obtidos na pesquisa que realizamos com uma amostra de cargos de DAS 5 e 6, e de NES do governo Lula, procurando avaliar o perfil, as competências especí­ficas, e os padrões de recrutamento que definem esses dois conjuntos de dirigentes.

Os estudos sobre a atuação de partidos no Congresso e sobre as relações entre Executivo e Legislativo têm avançado no Brasil nos últimos anos. Da mesma forma, a pesquisa em sociologia eleitoral têm se aprimorado produzindo excelentes análises sobre perfil do eleitor, trajetórias partidárias, lógicas, constâncias e volatilidade do voto.

No entanto, conhecemos pouco sobre o funcionamento do Executivo. A retomada da democracia no Brasil levou a uma necessária reflexão sobre o voto e os representantes, mas relegou os estudos sobre certas esferas de poder que não estão diretamente conectadas ao voto (não são cargos eletivos), mas que são ocupadas por pessoas com fortes laços dentro do sistema de poder. Este é o caso dos Ministérios e também dos cargos de confiança do tipo “Direção e Assessoramento Superior” (DAS) e de “Natureza Especial” (NES), que são de livre provimento. Vale lembrar que no organograma do Executivo, os postos de DAS níveis 5 e 6 estão logo abaixo dos ministros e secretários-executivos, desempenhando funções estratégicas de direção, coordenação e assessoramento das políticas e projetos desenvolvidos no âmbito dos órgãos governamentais.

Sendo assim, em geral, sabemos pouco sobre a elite que chega ao poder a partir de 1985, sobretudo nos cargos executivos. São ainda escassas as pesquisas que buscam avaliar os efeitos da coalizão e alianças de governo na composição do Ministério e nas políticas e decisões desenvolvidas no Executivo. Muito menos sabemos em relação aos cargos de confiança. Não há trabalhos que afiram em que medida esses postos se constituem em objeto de negociação no âmbito da coalizão governamental. Os poucos trabalhos acadêmicos existentes oferecem, no entanto, uma perspectiva de análise abrangente que não se reduz à pura crítica da politização desses postos de direção. Ao contrário, prescindindo de uma visão dicotômica que contrapõe o espaço da política ao da burocracia, destacam o hibridismo que caracteriza o papel e as atribuições dos cargos de DAS e, consequentemente, as competências específicas de direção requeridas. Loureiro e Abrúcio (1998c) discorrem, então, sobre um profissional híbrido que “é responsável tanto pela gestão eficiente quanto por atender aos objetivos políticos da agenda governamental”.

É importante destacar esse ponto, pois as discussões que tratam da relação entre política e burocracia no Brasil tradicionalmente tendem a vê-la sob o prisma do clientelismo e do insulamento. Nesta visão, a composição e a organização burocrática deveriam se orientar por princípios técnicos e critérios de impessoalidade, hierarquia e meritocracia, não devendo se deixar contaminar por influências políticas que resultariam em práticas clientelistas e personalistas. Esse entendimento pressupõe o insulamento da burocracia em relação à dinâmica política e se ampara na concepção weberiana da moderna burocracia. Como ressalta Pacheco (2002), “essa leitura de Weber levou tanto a um forte maniqueísmo – os técnicos são ‘bons’ e os políticos são ‘maus’ – como uma despolitização dos objetivos da Administração Pública”. Todavia, é a partir do próprio Weber que se formula um contraponto a essa visão, considerando sua defesa de uma complementaridade entre políticos e burocratas para a garantia da ordem democrática através de mecanismos de controle mútuo e, sobretudo, do controle político sobre a burocracia.

Por outro lado, a literatura demonstra que na República de 1946 havia uma certa regularidade no preenchimento de certas pastas. A área econômica, por exemplo, era destinada a quadros do Partido Social Democrático (PSD) de São Paulo, a de Justiça ao PSD de Minas Gerais.

O papel de cada pasta, por sua vez, ia além de suas evidentes atribuições. A da Justiça foi eminentemente uma área política, o espaço de articulação de campanhas e acordos político-eleitorais. A de Transporte denotava uma grande capacidade para compor com bases sociais e regionais pela facilidade em empregar um grande contingente de trabalhadores em obras públicas e por mobilizar vultosos recursos financeiros. Em geral, os Ministérios eram espaço de atração financeira, mas traziam a tônica do prestígio e da notoriedade pública. Foram por muito tempo um fórum de personalidades da vida política nacional. Muitas das atribuições de várias pastas foram, ao longo da ditadura militar, concentradas na Casa Civil, tendência que se fortaleceu com os governos da Nova República.

No contexto atual do presidencialismo brasileiro, as nomeações para o Ministério são importante fator de coesão política e de garantia de governabilidade. O Brasil, depois da ditadura militar, tem praticado o que se chama de “presidencialismo de coalizão”. Isto significa a existência de um arranjo político e eleitoral em que nenhum partido consegue eleger um candidato à Presidência e, ao mesmo tempo, formar sozinho maioria parlamentar. Ou seja, dadas as características dos sistemas eleitoral e partidário brasileiros, um presidente, qualquer que seja sua filiação partidária, só conseguirá governar negociando com uma coalizão parlamentar de apoio, o que implica automaticamente a partilha dos cargos no Executivo entre partidos e regiões.

Desse modo, assim como parte dos titulares dos ministérios, os postos de DAS também estariam sujeitos a indicações dos partidos e aliados da coalizão de governo. De fato, no Brasil, com a redemocratização e a promulgação da Constituição de 1988, nenhum presidente da República, a partir de Fernando Collor de Mello (1990-1992), foi eleito com o seu partido dispondo de maioria na Câmara dos Deputados e no Senado. Neste contexto, os últimos governos, sobretudo de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) e Luiz Inácio Lula da Silva (2003), formaram sistematicamente alianças partidárias e em contrapartida concederam aos membros e partidos da coalizão espaço no gabinete presidencial.

Entendemos como imprescindíveis estudos que tratem de dados empíricos sobre a elite dirigente que compôs os sucessivos governos da Nova República. Com isso, será possível avaliar as lógicas que norteiam a composição dos Ministérios no presidencialismo de coalizão brasileiro, bem como comparar os atributos sociais, profissionais e políticos da elite dirigente em cada governo. Temos a intenção de contribuir para esse campo de pesquisa com a apresentação de dados empíricos sobre o conjunto de ministros da Nova República, e os ocupantes de cargos de DAS 5 e 6, e de Natureza Especial, especificamente dos dois mandatos do presidente Lula. Exporemos informações sobre o perfil educacional, profissional e sociopolítico desse grupo, procurando compará-los a fim de avaliar as competências específicas, e os padrões de recrutamento que definem esses dois conjuntos de dirigentes.

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Campinas não existe

[Prédio dos Correios
e Telégrafos, 1957.
Instituto Geográfico
e Cartográfico]


Octavio Lacombe
*

minha cidade
portalVitruvius
ano 10, vol. 02,
setembro 2009, p. 274
Campinas SP Brasil

Este artigo não é acadêmico nem jornalístico. Este artigo não é coisa nenhuma. Portanto nele se pode afirmar que Campinas não é uma cidade.

A afirmação acima foi provocada por um texto de Laymert Garcia dos Santos, que começa assim: “São Paulo não é mais uma cidade – constatação dura de aceitar” (1). A afirmação de Laymert pressupõe que São Paulo foi uma cidade em algum momento anterior. Mais adiante expõe o por que: “A cidade deixou de ser porque o espírito da cidade não habita mais seus moradores”. E isso se dá, pois, segundo ele, “ninguém se importa com o que já aconteceu, acontece ou está por acontecer”.

Campinas, na verdade nunca foi e nunca será uma cidade. Nem aqui, na revista Minha Cidade, mapa virtual dos assuntos urbanos, onde cidades entram e saem da pauta das discussões e debates movidos pelos mais variados assuntos. Nem nessa geografia impalpável, de escritos sobre cidades, Campinas existe. É inacreditável que depois de 10 anos da existência desse fórum, depois de mais de 270 números publicados, quase 80 cidades figuraram como protagonistas dos debates e Campinas não tenha aparecido nem uma vez sequer. Isso porque Campinas conta com três cursos de arquitetura e urbanismo, que devem formar mais de 200 profissionais por ano. Um desses cursos faz parte de uma das melhores universidades públicas do país, outro foi considerado por muitos anos o melhor curso de arquitetura e urbanismo de uma universidade particular no país. Supõe-se que contam em seus quadros com arquitetos e urbanistas e profissionais de outras áreas capacitados a discutir as questões da cidade. Nem assim Campinas aparece como cidade.

Só mesmo Italo Calvino poderia transformar Campinas em uma cidade. Campinas poderia ser uma das cidades fantásticas de suas fábulas maravilhosas, transformada em cidade fantasma de si mesma; um espectro, um duplo inexistente, paradoxal, uma imagem da irrealidade cotidiana [Eco] de seus inabitantes; um poço profundo e mal cheiroso no mais completo breu; um ponto perdido no espaço; um amontoado de edifícios ocos, vazios, sem papel definido; uma malha tão intrincada de relações que se desfaria de repente como um jogo de cama de gato; uma inversão tão completa, mais-que-de-ponta-cabeça que a fizesse desaparecer em si mesma. Ao menos na literatura fabulosa de Calvino Campinas seria uma cidade, invisível, por certo. Mas por infelicidade dessa anticidade, Calvino não está mais entre nós para dar vida à cidade que insiste em ficar invisível.

Campinas não é mais uma cidade:
“Os privilegiados, sentindo na pele os efeitos da desagregação, desertaram, refugiando-se nos bunkers em que se transformaram as casas, os edifícios, os shoppings. Foi tudo quase imperceptível, talvez porque estendeu-se ao longo de duas décadas. Primeiro a elite abandonou a rua, trocando-a pelos espaços fechados; depois, abriu mão do urbano e da urbanidade: enquanto alguns se transferiam para Miami, os que ficaram trancaram os automóveis, para não falar dos blindados que estão se ‘democratizando’ e chegando à classe média. Agora, com a saturação do tráfego, a pane dos serviços, a escalada da criminalidade, o assédio dos miseráveis, a proliferação das máfias e a corrupção e a falência do poder municipal, a elite parece ter desistido da cidade mesma. São Paulo só é metrópole do capitalismo global nas redes cibernéticas, nos restaurantes e boutiques de luxo, nas pequenas ilhas de afluência guardadas por cães, seguranças e toda uma arquitetura de campo de concentração que protege seus felizes prisioneiros. O resto é o que ninguém quer ver e todos se esforçam por ignorar.

[...]

No espaço urbano agonizante a elite projeta e constrói, com imagens, a sua cidade – que é tão ou mais miserável quanto aquela que pretende ignorar. O resultado exibe obscenidade, vulgaridade, truculência por meio das quais uma classe dirigente impõe, sobre a realidade, a realidade da imagem. O resultado é esse acordo-desacordo da força virtual do mercado com a violência atual da miséria.

[...]

Entre os que deserdaram e os que foram deserdados, nem privilegiados nem excluídos, passam pela cidade, anônimos e desenraizados, os trabalhadores que compõem a massa urbana. Para eles a cidade parece reduzir-se ao longo e cansativo trajeto de casa ao trabalho, ao tempo perdido do transporte. Da periferia ao centro, do centro à periferia: o espaço urbano é o que se inscreve entre dois pontos, cujo sentido ameaçador será dado pelos programas de rádio e pelos telejornais sensacionalistas. Que vínculos podem eles tecer como uma cidade temida e evitada sempre que possível?”
Transcrevi trechos do texto de Laymert porque me parece que Campinas tem São Paulo como modelo de cidade. Claro que não é uma escolha consciente da cidade, de seus dirigentes em tomar um modelo equivocado para seguir. Pior que isso, é uma atitude inconsciente, pois que está entranhada como parte de nossa cultura.

Nasci em São Paulo e mudei para Campinas quando tinha 12 anos, com meus pais. Fomos morar na área rural da cidade e posso dizer que só fui conhecer a cidade de fato 12 anos depois, quando entrei na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da PUC-Campinas. De São Paulo, além das memórias de infância, tive a experiência de freqüentá-la uma vez por semana dos 15 aos 18, quando ia a Rua 25 de Março comprar camisetas para serigrafar. Depois de concluir o curso de arquitetura, morei dois anos na capital, trabalhando com produção de vídeo. Mais tarde, entre 2002 e 2006, durante o doutorado, tinha que ir a São Paulo duas vezes por semana.

Hoje percebo que Campinas também é uma cidade arruinada, mas que não pode ser reconstruída, porque a aura da cidade já não existe, é uma impossibilidade. Os privilegiados se encastelaram em condomínios e se refugiam em espaços fechados, evitam a cidade a todo o custo. O resto, como diz Laymert, os trabalhadores, desaparecem no deslocamento entre casa e trabalho. E os miseráveis são fantasmas que ninguém quer ver. O espaço urbano, apenas um percurso, um tempo, entre dois pontos.

No ano 2000, escolhi morar no centro da cidade. Então, eu acreditava que o centro mudaria, seria revitalizado, seria um ponto irradiador de transformações por toda a cidade. Agora, nove anos depois, nada mudou. Ao contrário, piorou.

Campinas não é uma cidade. Dificilmente será uma, se é que um dia já foi. Então, o que dizer sobre uma cidade que não é? Nada há para dizer. Nada mais. Não vale a pena perder tempo com algo que não é. Apenas esperar que outros habitantes se manifestem, caso haja algo em contrário a ser dito. Mas se a cidade não existe, seus habitantes são impossíveis. Não há esperança.

Parafraseando Laymert: “Campinas é a morte da aura da cidade”.

Nota 1. "São Paulo não é mais uma cidade", Laymert Garcia dos Santos em 2000, para Paolo Gasparini, fotógrafo ítalo-venezuelano. In PALLAMIN, Vera (org.). Cidade e cultura. São Paulo, Estação Liberdade, 2002.


*Octavio Lacombe é Arquiteto e Urbanista pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da PUC-Campinas (1991), Mestre em Multimeios pelo Instituto de Artes da UNICAMP (1998) e Doutor em Arquitetura e Urbanismo pela Faculdade de Arquitetura e urbanismo da USP (2006).

Minha Cidade 274 – setembro 2009
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15 de outubro de 2009

Entrevista com Lúcio Costa: a concepção da Superquadra de Brasília








entre[]vista
revista trimestral
portalVitruvius
Lucio Costa
abr/mai/jun 2009
ano 10, vol. 38, p. 073

Esta entrevista aborda as intenções de Lúcio Costa (1902-1998) quando da elaboração do projeto da Superquadra de Brasília, oferecendo-nos sua visão sobre estes espaços de moradia, com comentários sobre as transformações ocorridas no processo de produção urbana nestes locais.

Juan Zapatel: Como nasceu a idéia da superquadra?

Lucio Costa: A idéia da quadra nasceu de uma primeira dificuldade quando comecei a elaborar o projeto de Brasília. Tratando-se de uma cidade singular, talvez não possa servir de exemplo para outras cidades, mas é o caso único em cada país, uma capital.

A parte fundamental que a caracteriza é a parte administrativa, burocrática, a parte simbólica da administração, de modo que os edifícios do governo, os ministérios, os prédios da justiça e do executivo, exigem um planejamento com uma determinada escala, ampla, generosa, para propiciar essa sensação de ambientação adequada, de dignidade, para qualquer brasileiro que esteja ou venha a cidade.

Mas como conciliar essa escala generosa, ampla assim, a escala da vida cotidiana, à escala residencial que é uma escala íntima, num grau menor?

É dai que nasceu a idéia da quadra, ou superquadra como foram chamadas, porque eram grandes, as quadras habitualmente têm cento e poucos metros e aí eram trezentos por trezentos aproximadamente.

Agora, o fato dessas quadras serem definidas no espaço, não por muralhas medievais como se fossem muros formando uma área fechada completamente, mas por renques contínuos de árvores ao longo desses quadrados, definiriam com o tempo no espaço, as copas se emendando, uma verdadeira parede de fato verde que não tinha nada a ver com aquela muralha medieval de pedra, porque é uma muralha que mexe com o vento, que respira, você vê através.

Renques regulares, duas alas de árvores em toda a periferia da quadra, aquela alameda verde que é até um passeio agradável para o pedestre, tem a vantagem de servir de enquadramento, de servir de passeio, de modo que me pareceu muito feliz, e até deixei 20m de largura em torno de cada quadra para expandir além da quadra propriamente dita. Todas elas têm no interior 240m, sendo que esses 20m de cada lado das quadras, nos quatro lados.

De modo que é preenchendo essa função de enquadramento e de delimitar uma determinada área, esses quadrados sendo grandes, eles naturalmente por suas dimensões, por sua escala, pudessem dialogar com a escala monumental, da parte administrativa, de modo que não haveria o risco da cidade ficar dividida.

Assim critérios para uma coisa sim, embora as características devessem ser bem definidas num todo orgânico e estruturado. Isso permitiu dar características urbanas à cidade; tem a parte administrativa, a parte digamos monumental, que se entrosa aquelas duas alas, 6 Km de cada lado, destinadas à habitação, à moradia. De modo que essas quadras seriam sempre para edifícios de apartamentos, quem quisesse morar numa casa individual, teria de ir mais longe, mas penínsulas, de modo que havia essa opção.

Agora, na quadra tem sempre aquele problema, eu que procuro respeitar as pessoas que são de índole fechada, que não gostam de convívio, outras são extrovertidas, de modo que cada quadra propicia oportunidade de caracterizar mais num sentido ou num outro, se for o caso, e além disso eu tive a feliz ideia de estabelecer logo um gabarito limitado a seis pavimentos, quer dizer é o gabarito anterior ao elevador. Quando não havia elevador as cidades tinham esses gabaritos, eram cinco pavimentos e mais a mansarda, era a escada que comandava de modo que ficou essa ideia tradicional de cidade mais humana, mais concentrada pela altura.

Como na época já havia adequação arquitetônica as novas tecnologias construtivas, permitiam que os prédios fossem construídos sem fechar, sem estar apoiados no chão, mas sobre um tabuleiro de colunas, segurando um tabuleiro. Isso alterava muito porque você então permite que as pessoas atravessem a vista também, entrem não pela frente ou pelos fundos, mas por baixo do prédio. O acesso flui livremente através dos prédios, apesar dos prédios.

JZ: No memorial do Plano Piloto de Brasília, o Sr estabelece esses princípios gerais para os edifícios habitacionais, denominando-os por “blocos”. Essa menção era uma sugestão à adoção generalizada dessa tipologia?

LC: Para não ficarem nas quadras edifícios muito pequenos, individualizados, só com um acesso, me parecia que deviam ser geminados, três ou quatro, conforme as possibilidades de formar então um bloco contínuo e com vários acessos. Pareceu-me que agrupando-os teria mais liberdade de espaço entre os edifícios. A quadra então teria um certo número desses blocos geminados, conjuntos geminados que eu chamei de “blocos”.

JZ: Porque a média desses edifícios é de onze por quadra?

É o que resultou mais ou menos, e ficou estabelecido como se fosse um tabu, eu não tinha esse propósito.

JZ: Como o Sr. Previa os espaços abertos?

LC: Gostaria que fossem até mais livres, mais a moda inglesa, aqueles parques ingleses que têm o chão gramado sem definir muitos caminhos, ter alguns encaminhamentos naturais. O gramado é um lugar mais para uso, não um gramado daquele tipo “não pise na grama“, ao contrário “pise na grama”, um gramado para você usar, como se fosse um tapete verde, as pessoas sentam, põem suas cadeiras ai se quiserem, deitam, ficam ali, usam, brincam a vontade! Se o pisoteio gastasse certa área, não teria importância, depois recuperava-se. Mas começaram logo a urbanizar, a fazer caminhos, com muito espaço asfaltado sem necessidade.

Inclusive as crianças aproveitam bem os espaços abertos, protegidos pelas árvores, elas brincam, correm...

Livres, é ... (pausa). Sem ser aquela coisa murada, aquela coisa fechada, com guarda de entrada, onde você tem que mostrar passaporte. É uma coisa nobre por causa do espaço existente. As crianças ficam naturalmente controladas pelo fato dos prédios e do enquadramento verde definir a área, e pela própria presença dos porteiros que conhecem as famílias que estão ai, independente de qualquer outra fiscalização mais rigorosa, de modo que a sensação de liberdade é total.

JZ: Existem filiações entre os blocos habitacionais e as unidades de habitação projetadas por Le Corbusier, como a Unidade de Marselha?

LC: Aquela proposição de Marselha e mais algumas três outras, eu acho, inclusive na Alemanha. Aquilo era uma concepção abrangente, era uma coisa muito coletiva, estabelecendo prédios bastante grandes, com muitas unidades, para que tivessem uma espécie de vida autônoma.

Na Unidade de Habitação de Marselha fora prevista uma rua comercial, era uma rua interna dentro do edifício. Como o prédio era muito grande, tinha muitos apartamentos, era uma solução para propiciar uma chamada “Rua-corredor” para dispor o comércio; de modo que com o mau tempo no inverno, todo aquele frio, você não teria a necessidade de ir para fora, pegar neve, chuva. Teria comércio, padaria e todas as facilidades de bairro no próprio prédio, essa era a ideia.

Além dessa rua comercial, os edifícios tinham muros sempre bastante altos na cobertura, para permitir que servissem de áreas de recreio das crianças, uma escola, um jardim de infância, de modo que deixam o resto então muito livre, a ideia dele sempre foi a criação de um espaço bastante livre.

JZ: E do Sr.?

LC: Eu reduzi à uma escala mais individualizada, mais rasteira, é mais próxima de nossa tradição digamos, e isso se estabeleceu nas quadras assim limitadas a seis pavimentos.

Cada conjunto de quatro quadras formaria uma espécie de área de vizinhança, com as facilidades de comércio e de interesse comunitário: cinema, igreja. Essas áreas de vizinhança iriam se suceder ao longo dos 6 Km, como se fosse uma cadeia, um colar, uma corrente, você ia passando pelas unidades de vizinhança, mas cada uma com sua autonomia relativa. Estabelecer a comunhão ai num ponto.

Passa-se de uma quadra para outra e tem-se as interquadras que são faixas intermediarias de 300m por 80 m, separando umas quadras das outras. Essas interquadras são destinadas precisamente a implantar jogos, clubes, recreios.

Aquelas que estão contíguas às vias de acesso puderam servir para um cinema, uma igreja ou qualquer coisa assim de uso mais coletivo, e as restantes, as mais profundas, para a criação de grupos mais recreativos.

JZ: Sua intenção era ter vários tipos de unidades nos blocos habitacionais, para diversos tipos de moradores?

LC: Sempre sugerindo que cada área de vizinhança, composta de quatro quadras, tivesse dois ou três padrões de apartamentos diferentes, para permitir justamente, como numa cidade ideal, o convívio da escola, o convívio normal de populações de vários graus econômicos diferentes.

O esquema de implantação da cidade permitia prever esses serviços: escolas, centros de saúde e assistência social, servindo umas três unidades de vizinhança, teriam esses centros como se fossem bairros.

Escolas primárias em todas as quadras e escolas secundárias para cada conjunto de quatro quadras, uma igrejinha, o clube também. Auto-suficiente. Estabelecer uma vida comunitária agradável. Esses serviços foram muito bem projetados, mas depois abandonaram, as pessoas que tomaram conta da cidade não tomaram partido disso.

JZ: E o senhor como se sente agora, visitando Brasília?

LC: Sinto-me muito feliz, por mais que critiquem, apesar das coisas terem sido muito deturpadas. O projeto era uma coisa e ficou outra, mas acho que sobreviveu muita coisa que caracteriza a cidade, cidade serena, diferente das demais cidades brasileiras em geral, tem personalidade própria.

Mas de qualquer maneira é uma cidade burocrática, que tem essa característica que não é como uma cidade normal. Agora querer transformar uma cidade que foi projetada para ser ocupada dentro do período de três anos como capital do país, uma cidade burocrática, isso e aquilo, como se fosse cidade espontânea é um absurdo, porque nunca terá essas características de cidade espontânea que muitas pessoas reclamam.

Numa cidade normal, o objetivo da urbanização é criar a cidade propiciando oportunidade para que desabroche como uma planta, como uma flor, e não uma coisa racional, imposta, como no caso de um ato de vontade como Brasília, que foi com o objetivo definido de transferir a capital.

A intenção foi fazer uma vida agradável, mas caracterizada como uma cidade de fato administrativa, com características próprias, bem definidas, de significação.

JZ: Muito obrigado por esta entrevista.

LC: De nada, sempre as ordens.

A presente entrevista, disponibilizada no Portal Vitruvius em julho de 2009,
foi concedida por Lúcio Costa a Juan Antonio Zapatel em dezembro de 1990.


Referências bibliográficas

COSTA, Lúcio. “Relatório do Plano Piloto de Brasília”. Distrito Federal, NOVACAP, 1957.

ZAPATEL, Juan Antonio. “Brasília, Habitação em Superquadra: Avaliação Pós-Ocupação (APO)”. São Paulo: Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo. 1992. 149 pp.

14 de outubro de 2009

Sociologia, de Gilberto Freyre

[Carnaval, 1988, Olinda, PE.
Carlos Humberto TDC.

Pirelli / MASP]







Apresentação do livro
Sociologia, de Gilberto Freyre
(Editora É Realizações)

por Simone Meucci (UFPR)

Sociologia: uma introdução aos seus princípios, cuja primeira edição é de 1945, é uma obra única no conjunto da produção intelectual de Gilberto Freyre. Trata-se de um compêndio elaborado por um autor que, com frequência, se autodefinia como pouco vocacionado para atividades didáticas e acadêmicas.

Em Sociologia, Freyre esforça-se por apresentar, num texto didaticamente orientado, a natureza e o lugar da sociologia no quadro geral das ciências e suas ramificações temáticas. O livro consiste numa espécie de organograma a partir do qual o autor inscreve, além das atribuições da sociologia, as inter-relações, os limites e as limitações de seus campos de investigação. Trata-se, portanto, de uma obra importantíssima para conhecer a ossatura do pensamento sociológico de Gilberto Freyre.

Esta nova edição de Sociologia chega às nossas mãos num momento em que ocorre um balanço acerca do legado de Freyre para as ciências sociais no Brasil. Há, com efeito, o resgate do papel de Freyre no processo de sistematização da sociologia e o reconhecimento de sua contribuição para a compreensão da dinâmica de dominação social na sociedade brasileira.[1]

A leitura de Sociologia pode, com efeito, ajudar os estudiosos de sua obra a mapear algumas de suas influências teóricas; compreender, no seu pensamento, as relações entre as “variáveis” raça, cultura e geografia; identificar os fundamentos teóricos da sua interpretação.

Esses aspectos se tornam mais visíveis nas páginas de Sociologia porque a orientação didática do livro obrigou o autor a explicitar categorias, conceitos, posições e pressupostos que não se encontram assim revelados em suas principais obras, conhecidamente ensaísticas.

Sociologia é, como não poderia deixar de ser, produto de uma longa artesania das ideias sociológicas de seu autor. Remotamente, essa artesania foi iniciada no período compreendido entre os anos de 1918 e 1923. Nessa época, Freyre realizou seus estudos de Ciências Jurídicas e Sociais nas Universidades de Baylor, Texas (graduação) e Columbia, Nova York (mestrado).[2]

Esse período de estudos nos Estados Unidos, especialmente na Universidade de Columbia (onde se dedicou às disciplinas de História, Antropologia e Sociologia), tornou-o o único brasileiro de sua geração com acesso aos conhecimentos avançados em ciências sociais desenvolvidos naquele ambiente onde ocorriam profundas transformações urbanas, demográficas e industriais.

Segundo o testemunho do próprio Freyre, o livro Sociologia tem, mais imediatamente, origem relacionada às suas experiências docentes no ensino da Sociologia, especialmente na Universidade do Distrito Federal, instituição onde lecionou no período compreendido entre os anos de 1935 e 1937. [3]

É possível que o trabalho docente no início da carreira intelectual de Freyre, além de investi-lo da condição de portador especializado do conhecimento sociológico entre nós, tenha mobilizado esforços mais sistemáticos para organização de ideias sociológicas que foram dispersamente acessadas no período de estudos nos Estados Unidos.

A base para a publicação do livro foi um precioso conjunto de laudas que resultaram da transcrição de suas aulas na Universidade.[4]

E ainda que Sociologia seja uma versão mais “amadurecida” desses manuscritos, seu conteúdo não deixa de ser um testemunho importante acerca das condições de institucionalização e difusão do conhecimento sociológico naquela instituição.

Freyre procura demarcar com destaque que Sociologia é, de fato, resultado de sua única experiência docente mais ou menos regular numa Universidade no Brasil.Isso fica evidente nas dedicatórias ao livro. Na primeira edição, o autor oferece a obra aos estudantes de Sociologia e Antropologia da Universidade, e a Heloísa Alberto Torres, sua colega na instituição. Na segunda edição, presta homenagem à memória de Roquette-Pinto, que foi também professor da universidade, responsável pelo laboratório de rádio da instituição.

Embora Sociologia seja uma obra única no conjunto da produção intelectual de Gilberto Freyre, esse tipo de esforço pela sistematização didática do conhecimento sociológico não foi isolado, nem mesmo inédito. Somou-se a uma mobilização notável pela formação de um acervo significativo de periódicos, dicionários e manuais de sociologia.

A rigor, esforços para formação desse acervo foram inaugurados por Pontes de Miranda em 1926, com a publicação do livro Introdução à Sociologia.[5]

Não obstante, apenas nos anos 30 do último século esse fenômeno de constituição de um conjunto de manuais sociológicos adquiriu contornos notáveis. Vivia-se, na indústria editorial brasileira, uma espécie de boom de livros didáticos de sociologia.

Compõem esse conjunto de obras os livros: Iniciação à Sociologia (1931) de Alceu Amoroso Lima, Sociologia experimental (1935) de Delgado de Carvalho, e Princípios de Sociologia (1935) de Fernando de Azevedo.[6]

Os livros publicados nesse período são espécies de sínteses enciclopédicas da história do pensamento sociológico. Alguns deles, concebidos à imagem e semelhança de compêndios estrangeiros. Eram, sobretudo, voltados aos alunos das Escolas Normais (que formavam professores) e dos Cursos Complementares (dedicados ao preparo dos alunos para o ingresso nas faculdades).

Diante da enorme repercussão dos livros didáticos de sociologia para a indústria editorial brasileira, após o início das aulas de Gilberto Freyre na Universidade do Distrito Federal, os editores já aguardavam a publicação de seu compêndio sociológico. Prova disso é uma carta enviada a Freyre em 1936, na qual o educador paulista Fernando de Azevedo [7] pediu-lhe que reservasse a publicação do livro resultante de suas aulas na Universidade para a série “Iniciação Científica”da Biblioteca Pedagógica Brasileira, coleção de livros da Companhia Editora Nacional (que, na época, era dirigida por Azevedo) de São Paulo.[8]

Parecia, portanto, ser grande a expectativa em relação à publicação do manual sociológico de um dos mais promissores e jovens cientistas sociais brasileiros, que recentemente havia surpreendido o meio intelectual com a publicação do polêmico Casa grande & senzala.[9]

Freyre, como sabemos, publicou o manual didático apenas nove anos depois do pedido de Fernando de Azevedo. Quais teriam sido as razões que explicam a longa espera dos editores e leitores pelo livro novo de sociologia?

Ao observar a produção bibliográfica de Freyre nesse período, constata-se que não houve um só ano sem que ele tivesse publicado uma obra. Observemos a cronologia:

1936: Sobrados e mucambos
1937: Nordeste
1938: Conferências na Europa
1939: Açúcar
1940: Um engenheiro francês no Brasil
1941: Região e tradição
1942: Ingleses no Brasil
1943: Problemas brasileiros de Antropologia
1944: Perfil de Euclides da Cunha e outros perfis.

Notemos que o autor priorizou a elaboração de obras analíticas e interpretativas em detrimento da formulação de um compêndio didático. A exceção é problemas brasileiros de Antropologia, no qual Freyre dedicou-se à publicação dos manuscritos de suas aulas de Antropologia na Universidade do Distrito Federal (ainda assim, apenas em 1943, cerca de oito anos após a realização do curso na Universidade).[10]

É possível que essa aparente “opção” pelas obras interpretativas esteja relacionada ao processo de formação e amadurecimento do campo das ciências sociais e, também, dos primeiros portadores do conhecimento sociológico entre nós.

Não se deve ignorar que a elaboração de um compêndio científico original requer um esforço de conversão da “prática” interpretativa num “sistema conceitual” passível de ser transmitido a especialistas e futuros especialistas no ramo de conhecimento em questão. Trata-se de uma conversão nada fácil que exige a formação de agentes capazes de realizar essa síntese, de um público leitor especializado e, também, de certo padrão discursivo. E isso só ocorreu de fato, a partir dos anos 1940 no Brasil.

Sociologia aparece, portanto, após notável experiência do autor como analista da realidade brasileira. Freyre escreveu antes sobre receitas, alcovas e regiões do Brasil; elaborou biografias de estrangeiros e brasileiros dedicados à interpretação da realidade social brasileira: parece ter optado por desvendar um pouco do Brasil antes de sistematizar o conhecimento sociológico.

Nesse sentido, o livro Sociologia de Freyre se distingue da primeira “safra” dos livros didáticos da matéria sociológica, redigidos por autores com pou ca experiência na análise social. Sociologia faz parte de novo conjunto de compêndios surgido no Brasil nos anos 1940, do qual Teoria e pesquisa em Sociologia (também publicado em 1945) de Donald Pierson é também um exemplar paradigmático. [11]

De certa maneira, esses dois livros – de Freyre e Pierson –, mais do que mera reconstituição histórica e escolástica das etapas do pensamento sociológico, procuraram realizar síntese original distinta das dezenas de livros didáticos de sociologia que até então ocupavam as estantes das livrarias brasileiras.

Muitos saudaram o aparecimento de Sociologia exatamente pela originalidade e sua capacidade de despertar interesse pela disciplina nova. Aos olhos dos leitores, Sociologia parecia romper com o padrão discursivo da literatura didática na matéria sociológica. Críticos destacavam o fato de que Freyre expôs o conteúdo de maneira saborosa e instigante. Roger Bastide afirmou que a grande qualidade do livro é que seu autor foi capaz de despertar e interessar o leitor.[12]

Anísio Teixeira, igualmente, num comentário pessoal ao autor, destacou a narrativa de Sociologia: “é o primeiro grande livro didático que leio. [...] Com tais livros, Gilberto, se poderia talvez dispensar a escola. Porque o saber precisa, para ser comunicado, de ser tornar assim pessoal, humano, quente, imaginativo”.[13]

O livro interessante é também monumental: a primeira edição de Sociologia tem cerca de 800 páginas divididas em dois volumes. Tantas páginas procuram revelar ao leitor a posição do autor em relação às perspectivas sociológicas atuantes no meio intelectual brasileiro. Freyre se contrapõe ao marxismo, à sociologia cristã, ao evolucionismo mais vulgar.

Nesse sentido, podemos dizer que o livro de Freyre atendia a uma demanda muito distinta daquela que mobilizou os esforços dos autores de compêndios sociológicos que surgiram no período compreendido entre o final dos anos 1920 e a década de 1930. É síntese original, caracterizada pelo empenho do autor em distinguir com cuidado a sua posição no ambiente intelectual e diferenciar a sociologia das outras áreas de conhecimento.

Simone Meucci, mestre e doutora em Sociologia pela Unicamp, é professora do Departamento de Ciências Sociais da UFPR.

Notas:

[1] Souza, J. A atualidade de Gilberto Freyre. In: Kosminski, E.; Peixoto, F.; Lepine, C. (Org.) Gilberto Freyre em quatro tempos. São Paulo: Editora Unesp; Bauru: Edusc, 2003. p. 65-82.

[2] Para compreender o período de estudos de graduação e pós-graduação de Freyre nos Estados Unidos e Europa, ver: Pallares-Burke, M. L. Gilberto Freyre: um vitoriano nos trópicos. São Paulo: Editora Unesp, 2005.

[3] A Universidade do Distrito Federal foi fundada em 1935, a partir de um projeto pedagógico inovador, elaborado pelo então diretor de instrução do Distrito Federal, o educador Anísio Teixeira. Teve, não obstante, uma vida breve: em 1939, durante o Regime do Estado Novo, foi arbitrariamente fechada. Seus alunos e parte do corpo docente foram incorporados à recém-fundada Universidade do Brasil. A história dessa instituição é emblemática do embate entre os educadores e os setores católicos no Brasil nesses período. Sobre a Universidade do Distrito Federal, ver: Barbosa, R. N. de C. O projeto da UDF e a formação dos intelectuais. Rio de Janeiro, 1996. Dissertação (Mestrado) – Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, Universidade Federal do Rio de Janeiro. Vicenzi, L. J. B. de. A fundação da Universidade do Distrito Federal e seu significado para a educação no Brasil. In: Fórum Educacional. Rio de Janeiro, v. 10, n. 3, jul./set. 1986.

[4] Os manuscritos de Freyre relativos às suas aulas de sociologia na Universidade do Distrito Federal são mantidos no acervo do Centro de Documentação da Fundação Gilberto Freyre. Ver análise desse material em: Meucci, S. Gilberto Freyre e a sistematização da sociologia no Brasil. Campinas, 2006. Tese (Doutorado) – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas.

[5] Pontes de Miranda, F. Introdução à sociologia. São Paulo: Pimenta de Melo, 1926.

[6] Amoroso Lima, A. Preparação à sociologia. Rio de Janeiro: Centro D. Vital, 1931. Azevedo, F. Princípios de Sociologia. São Paulo: Nacional, 1935. Delgado de Carvalho, C. M. Sociologia experimental. Rio de Janeiro: Sauer, 1934.

[7] Carta enviada por Fernando de Azevedo a Gilberto Freyre em 9 maio 1936. Acervo do Centro de Documentação da Fundação Gilberto Freyre. Recife/PE.

[8] Freyre havia, na época, acabado de publicar Sobrados e mucambos pela Editora Nacional por intermédio de Fernando de Azevedo.

[9] Freyre, G. Casa grande & senzala. São Paulo: Global, 2002. (1ª edição de 1933).

[10] Freyre, G. Problemas brasileiros de antropologia. Rio de Janeiro: Casa do Estudante, 1943.

[11] Pierson, D. Teoria e pesquisa em sociologia. São Paulo: Melhoramentos, 1945.

[12] Roger Bastide, Diários Associados, 5 dez. 1945. Recorte do Centro de Documentação da Fundação Gilberto Freyre – Recife/PE.

[13] Carta de Anísio Teixeira a Gilberto Freyre, datada de 2 de fevereiro de 1946. Acervo do Centro de Documentação da Fundação Gilberto Freyre – Recife/PE.
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13 de outubro de 2009

Introdução: A Sociologia e as identidades sociais

[Alice Brill, Viaduto do Chá, 1954.
Pirelli / MASP]


[trecho da introdução ao volume Diferenças, igualdade / Heloisa Buarque de Almeida, José Eduardo Szwako (orgs.) — São Paulo : Berlendis & Vertecchia, 2009 — (Coleção sociedade em foco : introdução às ciências sociais)]

Antonio Sérgio Alfredo Guimarães

Formas de identidade e diferenciação social

"Esta coletânea de textos introdutórios à sociologia faz um recorte particular que é preciso deixar claro aos iniciantes e docentes da disciplina.

O presente volume procurou concentrar-se em cinco categorias – as classes sociais, raças e etnias, gênero, sexualidade e juventude – que permitem entender problemas sociais fundamentais do mundo contemporâneo.

Além disso, essas categorias operam como formas de identidade social que embasam o surgimento, bastante recorrente nos últimos cinquenta anos, de agentes e movimentos sociais responsáveis pela mudança social.

As classes sociais foram introduzidas na sociologia por um precursor da disciplina, Karl Marx, no século 19, quando já era um conceito corrente entre os historiadores e economistas. Em carta a Joseph Weydmeyer de 1852, Marx esclarece o que pensa ser a sua contribuição:

“No que me diz respeito, não me cabe o mérito de ter descoberto nem a existência das classes na sociedade moderna nem a sua luta entre si. Muito antes de mim, historiadores burgueses tinham exposto o desenvolvimento histórico desta luta das classes, e economistas burgueses a anatomia econômica das mesmas. O que de novo eu fiz, foi: 1) demonstrar que a existência das classes está apenas ligada a determinadas fases de desenvolvimento histórico da produção; 2) que a luta das classes conduz necessariamente à ditadura do proletariado; 3) que esta mesma ditadura só constitui a transição para a superação de todas as classes e para uma sociedade sem classes [...].”

As palavras de Marx demonstram claramente o rígido determinismo científico do século 19 em que está inserido. E, ainda, que esta primeira teoria sociológica das classes só faz sentido numa teoria da história mais abrangente (o materialismo histórico). No século 20, boa parte desta teoria já havia sido posta à prova pelo transcorrer da própria história social, inclusive a previsão marxista de uma inevitável revolução proletária nos países mais desenvolvidos da Europa. Nesse mesmo sentido, a filosofia da ciência abandonou os esquemas deterministas rígidos em favor de outras abordagens – instrumentalista, probabilística, compreensiva etc.

Foi neste novo contexto, no fim do século 19, que se fez um grande esforço intelectual para dotar a sociologia de maiores recursos analíticos. Entre os que contribuíram para tanto, podemos citar Ferdinand Tönnies (1855-1936), Georg Simmel (1858-1918) e Max Weber (1864-1920), na Alemanha. Este último autor refinou a noção de classe social como pertencente à esfera da economia, distinguindo-a de associações ou comunidades como os partidos (esfera da política) e os grupos de prestígio. Quanto ao materialismo histórico de Marx, para Weber, este seria apenas um tipo ideal, ou seja, uma construção intelectual que projetava uma trajetória histórica possível, a partir de referências empíricas reais, mas totalmente exageradas.

Mas o fato é que, ao menos na Europa ocidental (em países como Inglaterra, França, Alemanha e, principalmente, Itália), a luta de classes entre trabalhadores e patrões (fossem eles burgueses ou empresas públicas) e também as ações de classe continuaram a marcar decisivamente a vida social e político-partidária. Esses movimentos, junto com as ações do Estado, determinaram, direta ou indiretamente, o desenvolvimento social e histórico. No entanto, o desenvolvimento dos Estados-nação e o aparecimento do nacionalismo enquanto ideologia política contrabalançaram a importância das classes. Ainda assim, durante muito tempo na Europa, a teoria marxista de classes sobreviveu, com pretensões universalistas, junto com a expectativa de que as outras sociedades capitalistas industriais nas Américas e na Ásia desenvolvessem, com o tempo, as mesmas características.

Todavia, nos Estados Unidos, a luta de classes cedeu importância, durante o crescimento industrial, para a competição entre os grupos étnicos, à medida que o mercado capitalista americano crescia baseado principalmente na imigração estrangeira. Junto ao recrudescimento da consciência étnica, cresceu também o racismo contra os povos não europeus, principalmente os de origem africana que buscavam integrar-se na moderna sociedade capitalista norteamericana. [...]"
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7 de outubro de 2009

diferenças, igualdades (col. sociedade em foco)


Berlendis & Vertecchia
editora

Sociedade em foco é uma coleção de introdução à Sociologia e às Ciências Sociais para o ensino médio e os anos iniciais do ensino superior. O objetivo é contribuir para uma compreensão da sociedade contemporânea em sua complexidade.

Parte-se da realidade à nossa volta: os fatos e agentes sociais, seus dilemas, conflitos e desafios. Trata-se de introduzir o leitor aos métodos e abordagens das Ciências Sociais, com exemplos concretos que permitem visualizar e entender as teorias envolvidas.

Este volume, diferenças, igualdade, trata das formas de hierarquia e diferenciação social. O leitor é convidado a refletir sobre alguns dos conceitos centrais da disciplina: classes sociais, raça, gênero, sexualidade e geração.




Berlendis & Vertecchia
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01421-030 | São Paulo - SP
Tel 11 3085-9583
Fax 11 3085-2344
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3 de outubro de 2009

The 2009 Ig Nobel Prize Winners

[New Type Brassieres.
New York, May 1949
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Nina Leen. Life]



The 2009 Ig Nobel Prizes were awarded on Thursday night, October 1, at the 19th First Annual Ig Nobel Prize Ceremony, at Harvard's Sanders Theatre.

Later, on Saturday afternoon, October 3, the new winners will explain their work, at the Ig Informal Lectures at MIT.


VETERINARY MEDICINE PRIZE: Catherine Douglas and Peter Rowlinson of Newcastle University, Newcastle-Upon-Tyne, UK, for showing that cows who have names give more milk than cows that are nameless.
REFERENCE: "Exploring Stock Managers' Perceptions of the Human-Animal Relationship on Dairy Farms and an Association with Milk Production," Catherine Bertenshaw [Douglas] and Peter Rowlinson, Anthrozoos, vol. 22, no. 1, March 2009, pp. 59-69. DOI: 10.2752/175303708X390473.
WHO ATTENDED THE CEREMONY: Peter Rowlinson. Catherine Douglas was unable to travel because she recently gave birth; she sent a photo of herself, her new daughter dressed in a cow suit, and a cow.

PEACE PRIZE: Stephan Bolliger, Steffen Ross, Lars Oesterhelweg, Michael Thali and Beat Kneubuehl of the University of Bern, Switzerland, for determining — by experiment — whether it is better to be smashed over the head with a full bottle of beer or with an empty bottle.
REFERENCE: "Are Full or Empty Beer Bottles Sturdier and Does Their Fracture-Threshold Suffice to Break the Human Skull?" Stephan A. Bolliger, Steffen Ross, Lars Oesterhelweg, Michael J. Thali and Beat P. Kneubuehl, Journal of Forensic and Legal Medicine, vol. 16, no. 3, April 2009, pp. 138-42. DOI:10.1016/j.jflm.2008.07.013.
WHO ATTENDED THE CEREMONY: Stephan Bolliger

ECONOMICS PRIZE: The directors, executives, and auditors of four Icelandic banks — Kaupthing Bank, Landsbanki, Glitnir Bank, and Central Bank of Iceland — for demonstrating that tiny banks can be rapidly transformed into huge banks, and vice versa — and for demonstrating that similar things can be done to an entire national economy.

CHEMISTRY PRIZE: Javier Morales, Miguel Apátiga, and Victor M. Castaño of Universidad Nacional Autónoma de México, for creating diamonds from liquid — specifically from tequila.
REFERENCE: "Growth of Diamond Films from Tequila," Javier Morales, Miguel Apatiga and Victor M. Castano, 2008, arXiv:0806.1485.
WHO ATTENDED THE CEREMONY: Javier Morales and Miguel Apátiga

MEDICINE PRIZE: Donald L. Unger, of Thousand Oaks, California, USA, for investigating a possible cause of arthritis of the fingers, by diligently cracking the knuckles of his left hand — but never cracking the knuckles of his right hand — every day for more than sixty (60) years.
REFERENCE: "Does Knuckle Cracking Lead to Arthritis of the Fingers?", Donald L. Unger, Arthritis and Rheumatism, vol. 41, no. 5, 1998, pp. 949-50.
WHO ATTENDED THE CEREMONY: Donald Unger

PHYSICS PRIZE: Katherine K. Whitcome of the University of Cincinnati, USA, Daniel E. Lieberman of Harvard University, USA, and Liza J. Shapiro of the University of Texas, USA, for analytically determining why pregnant women don't tip over.
REFERENCE: "Fetal Load and the Evolution of Lumbar Lordosis in Bipedal Hominins," Katherine K. Whitcome, Liza J. Shapiro & Daniel E. Lieberman, Nature, vol. 450, 1075-1078 (December 13, 2007). DOI:10.1038/nature06342.
WHO ATTENDED THE CEREMONY: Katherine Whitcome and Daniel Lieberman

LITERATURE PRIZE: Ireland's police service (An Garda Siochana), for writing and presenting more than fifty traffic tickets to the most frequent driving offender in the country — Prawo Jazdy — whose name in Polish means "Driving License".
WHO ATTENDED THE CEREMONY: [Karolina Lewestam, a Polish citizen and holder of a Polish driver's license, speaking on behalf of all her fellow Polish licensed drivers, expressed her good wishes to the Irish police service.]

PUBLIC HEALTH PRIZE: Elena N. Bodnar, Raphael C. Lee, and Sandra Marijan of Chicago, Illinois, USA, for inventing a brassiere that, in an emergency, can be quickly converted into a pair of face masks, one for the brassiere wearer and one to be given to some needy bystander.
REFERENCE: U.S. patent # 7255627, granted August 14, 2007 for a “Garment Device Convertible to One or More Facemasks.”
WHO ATTENDED THE CEREMONY: Elena Bodnar.

MATHEMATICS PRIZE: Gideon Gono, governor of Zimbabwe’s Reserve Bank, for giving people a simple, everyday way to cope with a wide range of numbers — from very small to very big — by having his bank print bank notes with denominations ranging from one cent ($.01) to one hundred trillion dollars ($100,000,000,000,000).
REFERENCE: Zimbabwe's Casino Economy — Extraordinary Measures for Extraordinary Challenges, Gideon Gono, ZPH Publishers, Harare, 2008, ISBN 978-079-743-679-4.

BIOLOGY PRIZE: Fumiaki Taguchi, Song Guofu, and Zhang Guanglei of Kitasato University Graduate School of Medical Sciences in Sagamihara, Japan, for demonstrating that kitchen refuse can be reduced more than 90% in mass by using bacteria extracted from the feces of giant pandas.
REFERENCE: "Microbial Treatment of Kitchen Refuse With Enzyme-Producing Thermophilic Bacteria From Giant Panda Feces," Fumiaki Taguchia, Song Guofua, and Zhang Guanglei, Seibutsu-kogaku Kaishi, vol. 79, no 12, 2001, pp. 463-9. [and abstracted in Journal of Bioscience and Bioengineering, vol. 92, no. 6, 2001, p. 602.]

REFERENCE: "Microbial Treatment of Food-Production Waste with Thermopile Enzyme-Producing Bacterial Flora from a Giant Panda" [in Japanese], Fumiaki Taguchi, Song Guofu, Yasunori Sugai, Hiroyasu Kudo and Akira Koikeda, Journal of the Japan Society of Waste Management Experts, vol. 14, no. 2, 2003, pp. , 76-82.
WHO ATTENDED THE CEREMONY: Fumiaki Taguchi
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