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14 de junho de 2009

para pensar a cidade


[Eliane nº 1, Favela da Rocinha, 1999.
André Cypriano. col. Pirelli/Masp]

Fábia Berlatto*

É quase desnecessário dizer: há várias formas de pensar a cidade porque há muitas formas de viver a cidade, de representar e interpretar seus espaços e seus habitantes, bem como de conviver com eles.

Todavia, um sentimento socialmente compartilhado em relação à vida urbana vem gradualmente predominando: o medo. Esse sentimento provoca um outro, mais difuso e menos sutil: a insegurança.

A insegurança que atualmente aflige os habitantes da cidade é direcionada para o que se denomina hoje de “violência urbana”: ocorrências que envolvem principalmente o roubo, o furto, o assalto a mão armada, o latrocínio, mas também o homicídio doloso e as lesões corporais dolosas. É a divulgação em massa da “violência urbana”, pelo Estado e pela imprensa, que impulsiona esse movimento. Tais sentimentos – medo e insegurança – influenciam a percepção e o comportamento dos indivíduos em relação ao espaço em que vivem, em relação aos seus concidadãos e ditam as políticas e as prioridades de governo. São justamente esses sentimentos que dão ao crime uma relevância política e cultural estrondosa.

A cidade tornou-se um ambiente onde há uma fusão entre a sensação de insegurança social e insegurança policial. O medo de perder o emprego, por exemplo, emprego este que possibilita não só o planejamento do futuro, mas a construção da identidade do trabalhador como trabalhador (uma das vias de integração social, aliás) e o medo da violência urbana potencializam a desintegração social. Quando vivemos com medo, deixamos de utilizar a razão como parâmetro para medir e regrar nossas condutas. Diante deste panorama, há uma grande demanda social por segurança. Mas a pergunta é: o que está produzindo tanta insegurança é, de fato, o crime?

A análise das tentativas tradicionais de eliminar o crime, entendido pelo senso comum como grande gerador de insegurança social, constitui importante recurso para a compreensão das práticas que vêm historicamente sendo desenvolvidas no Brasil e que têm relação com o controle das “classes perigosas”.

A idéia das classes perigosas funciona entre nós mais como um mecanismo de estigmatização de uma determinada categoria social. O combate legal da pobreza, expresso na preferência pública por políticas repressivas e não integradoras, dá origem ao que os sociólogos chamariam de uma “sociodinâmica da estigmatização”. Como resultado, temos o reforço do mito de que a pobreza produz o crime, e a idéia, correlata, que os pobres são potencialmente e virtualmente criminosos.

Essa percepção compartilhada discrimina bairros brancos e não brancos, zonas seguras e zonas perigosas, áreas pobres e áreas ricas. Esse tipo de classificação espacial procura não só descrever um mundo, mas construir e impor um mundo (social) através da visão regulada pelo princípio da separação entre o Nós e o Eles. É como se Eles – os outros, os pobres, os criminosos – pertencessem a uma segunda categoria. Por definição, acreditamos que alguém estigmatizado, e em especial com esse estigma, não seja completamente humano. Daí muitas das críticas, por exemplo, aos “direitos humanos”.

Há um espaço social na cidade onde se concentram todas as formas de discriminação negativa: a favela. A favela ocupa, na representação social nacional uma posição de espaço perigoso, sujo, confuso etc.

O adjetivo perigoso foi gravemente ampliado nas últimas décadas, reforçado pelo discurso estatal e repercutido pela imprensa. Se antes a interpretação tradicional dos espaços pauperizados da cidade estava baseada nas idéias de desordem (urbana), desorganização (social) e atraso (cultural), agora essas comunidades estão mais fortemente associadas ao crime violento. É essa vinculação que legitima a progressiva associação de ações estatais de duas ordens: policial e social (mais a primeira que a segunda, diga-se).

Assim, seja como espaço sanitário ou como lugar perigoso, as favelas são vistas como locais a serem administrados e controlados pelo poder público. As duas são formas de intervenção governamental que discriminam esse espaço físico como o espaço preferencial dos “problemas sociais”. Isso tudo tem uma conseqüência bem palpável: as marcas espaciais contidas na cidade conferem aos indivíduos, além da imobilidade territorial, a imobilidade entre as categorias sociais. Pertencer a tal ou qual território significa experimentar as desigualdades de condições de vida e de oportunidades e implica em padrões específicos de interação e de sociabilidade.

É nesses termos que se constitui uma forma cruel de violência coletiva. É nesses termos, podemos dizer, que se impõe socialmente e culturalmente uma espécie de retorno da raça, mas de um racismo que agrega ao seu sentido mais elementar uma nova virulência: o fato de ela se apresentar com outro nome e com a máscara do medo do crime.

*Fábia Berlatto é graduada em Ciências Sociais, mestre em Sociologia pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e integrante do Grupo de Pesquisa do CNPq Territórios da Pobreza: segregação social, vida cotidiana e direitos humanos.
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